Esta lista, inevitavelmente
incompleta e truncada de injustiças, resgata da História do Cinema as melhores
e mais belas encarnações dos ideais da esquerda.
35º Capitalismo, uma História
de Amor (Capitalism, a Love Story)
País: Estados
Unidos da América
Ano: 2009
Realizador: Michael
Moore
Esta história de amor é o
retrato da crise do capitalismo a partir do seu próprio berço. De Michael
Moore, também poderíamos incluir Sicko ou Bowling for
Columbine, mas Capitalismo corresponde ao zénite da
evolução ideológica do realizador norte-americano, não acabasse o filme ao som
da Internacional. Mas sobretudo, o documentário perfaz a lista pelos relatos
dramáticos dos trabalhadores que pagam na pele o preço do amor dos EUA pelo
capitalismo.
34º As Vinhas da Ira (The
Grapes of Wrath)
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1940
Realizador: John
Ford
O clássico de Steinbeck encontra uma
justa homenagem nesta adaptação de John Ford. As Vinhas da Ira conta
a história de uma família de camponeses que, expulsa pelos latifundiários das
terras onde viviam e trabalhavam, é forçada a uma longa viagem rumo à
Califórnia em busca de trabalho. Pelo caminho, encontram a fome e a
discriminação, mas também a solidariedade, a consciência de classe e a
dignidade.
33º Sambizanga
País: Angola
Ano: 1973
Realizador: Sarah
Maldoror
Sambizanga arruma
com o mito do “brando colonialismo português” numa clara e inequívoca afirmação
da estética e cultura africanas. Domingos, militante do MPLA, é sequestrado
pela PIDE e torturado durante vários dias. Entretanto, a sua família procura-o
desesperadamente entre o desespero do povo angolano. Filmado no Congo com
guerrilheiros do MPLA e do PAIGC na maioria dos papéis e baseado na obra de
José Luandino Vieira, Sambizanga é um dos mais poderosos
filmes anti-coloniais de todo o continente africano.
32º Clube de Combate (Fight
Club)
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1999
Realizador: David
Fincher
Quando o capitalismo não nos mata de
fome, mata-nos de aborrecimento. O Narrador, magnificamente interpretado por
Edward Norton, consome-se entre catálogos IKEA e a voragem da rotina. Alienado
do seu próprio trabalho, da sociedade e de si próprio, conhece Tyler Durden um
perigoso maníaco que pretender explodir o mundo financeiro.
Muita tinta já correu sobre o Clube
de Combate, que tal como o livro homónimo, já foi acusado de proto-fascista,
sexista e niilista. Mas como dizia Saramago, todas as histórias se podem contar
de outra maneira.
31º Doutor Estranhoamor (Dr.
Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb)
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1964
Realizador: Stanley
Kubrick
Poucas etiquetas políticas cabem na
lapela de Kubrick mas Doutor Estranhoamor é em si mesmo, um
manifesto político. Rodada no auge da guerra fria, quando a sombra de um
holocausto nuclear pairava sobre as cabeças de toda a humanidade, esta sátira
expõe ao ridículo a lógica anti-comunista da América do senador McCarthy.
Curiosamente, 50 anos mais tarde, os EUA estão de novo no centro de uma
escalada de provocações nucleares. A única diferença, é que ainda não acusaram
os coreanos de querer envenenar o abastecimento de água dos EUA.
30º Machuca
País: Chile
Ano: 2004
Realizador: Andrés
Wood
Chile, 1973. Dois rapazes são unidos
pela amizade e separados pelas classes sociais. Este é um filme sobre a
adolescência, com toda a esperança e violência que ela comporta e, por isso
mesmo, a melhor lente sobre a História recente do Chile. Mas Machuca é
muito mais do que uma rara janela para a experiência socialista de Allende e
uma crítica à podridão da burguesia que engendrou Pinochet. É por direito, um
dos melhores filmes chilenos alguma vez produzidos.
29º Inside Job - A Verdade da
Crise (Inside Job)
País: Estados
Unidos da América
Ano: 2010
Realizador: Charles
Ferguson
Inside Job - A Verdade da Crise, obra
prima de Ferguson, é um documentário que todos deveríamos ver. Num momento em
que os desejos e caprichos do Deus-Mercado são cada vez mais descritos como
insondáveis e ininteligíveis pelos comuns mortais, este filme explica as
origens da crise capitalista que hoje vivemos de uma forma brilhante. Ferguson
entrevista os maiores responsáveis directos pela crise, encosta-os à parede e
faz o nosso sangue ferver.
28º A Batalha do Chile (La
Batalla de Chile)
País: Chile
Ano: 1978-1980
Realizador: Patricio
Guzmán
A Batalha do Chile é
justamente considerado o melhor documentário latino-americano de todos os
tempos. Justamente. No total, são quatro horas e meia de História com H grande,
centrada na luta dos trabalhadores, nas conquistas da sua revolução e na
resistência ao fascismo. Mas nenhuma das três partes que compõem A
Batalha do Chile são filmes de arquivo: tudo foi filmado no momento e
no local. O operador de câmara Jorge Müller Silva foi sequestrado pela polícia
de Pinochet durante as filmagens e é um dos 3000 chilenos que continuam
desaparecidos.
27º Norma Rae
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1979
Realizador: Martin
Ritt
Tal como todos na sua família e nesta
pequena cidade da Carolina do Norte, Norma Rae (uma impecável Sally Field)
trabalha na fábrica de algodão. Recebe o salário mínimo e parece condenada a
aceitar todas as condições que o patrão lhe impõe. Até que um dia, chega Reuben
Warshowsky (Ron Leibman), um sindicalista decidido a organizar os trabalhadores
da fábrica. Baseado em factos reais, Norma Rae é uma homenagem despretensiosa à
operária americana como ela é e à luta que tem em comum com os trabalhadores do
mundo.
26º Cinco Dias, Cinco Noites
País: Portugal
Ano: 1996
Realizador: José
Fonseca e Costa
José Fonseca e Costa consagrou-se
neste filme como um dos mais competentes realizadores portugueses. Cinco
Dias, Cinco Noites é uma espantosa e fidedigna viagem ao Portugal dos
anos 40. Conta a viagem de um preso político evadido que procura cruzar a
fronteira com a ajuda de um intratável “passador”. A antipatia entre os dois
homens dá lugar a uma bela amizade nesta excelente adaptação ao cinema do
romance homónimo de Manuel Tiago, pseudónimo de Álvaro Cunhal.
25º O Fim de São Petersburgo
(Конец Санкт-Петербурга)
País: União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ano: 1927
Realizador: Vsevolod
Pudovkin
Um camponês desempregado chega a São
Petersburgo à procura de trabalho. Sem querer, acaba por denunciar um velho
amigo à polícia, que o envia para a frente de batalha da I Guerra Mundial. O
Fim de São Petersburgo é poesia celuloide em estado puro, 80 minutos
de beleza intensa e golpes poderosos. É o irmão gémeo do famoso Outubro de
Eisenstein mas ao contrário deste, que se centra nas massas, Pudovkin dedica-se
ao indivíduo e à sua importância na revolução, sem nunca no entanto o demitir
da sociedade, da sua classe e do seu partido.
24º Os Edukadores (Die Fetten
Jahre sind Vorbe)
País: Alemanha
e Áustria
Ano: 2004
Realizador: Hans
Weingartner
Uma estudante universitária tem um
pequeno acidente de carro. Até aqui tudo bem. Acontece que não tinha seguro.
Menos bem. E a isto acresce que o tipo do carro da frente, não é nem mais nem
menos que um dos maiores bilionários do país e que os danos provocados valem
dezenas de milhares de euros. Condenada em tribunal a pagá-los por inteiro, a
jovem é forçada a deixar os estudos e a aceitar empregos precários por salários
de miséria. Mas quando não se tem nada, também não se tem nada a perder. Os
Edukadores correspondem o terror dos capitalistas na mesma medida. Como? A)
Entrar furtivamente nas mansões dos ricos B) Criar pirâmides com toda a mobília
e alterar toda a configuração da casa. C) Deixar uma nota: “Os vossos dias de
abastança acabaram”.
23º Os Santos Inocentes (Los
Santos Inocentes)
País: Espanha
Ano: 1984
Realizador: Mario
Camus
Ver Os Santos Inocentes é
como entrar num museu cheio de Goyas. As cenas lúgubres, cinzentas e
magistralmente bem compostas podem-nos fazer duvidar do século em que o filme
tem lugar, mas esta família espanhola sobrevive sem água nem electricidade nos
vizinhos anos 60. O arcaísmo do latifúndio como ele é: um sistema medieval onde
os caprichos dos senhores valem mais que a vida dos camponese.; Mas até nesta
enorme prisão a céu aberto que reduz mulheres e homens a cães de caça
(literalmente), todas as criaturas têm um limite.
22º Queimada
País: Itália
Ano: 1969
Realizador: Gillo
Pontecorvo
Um provocador inglês enviado à ilha
fictícia de Queimada para incitar uma revolta de escravos contra o colonialismo
português. Os ingleses servem-se dos sentimentos independentistas dos escravos
para se apropriarem eles próprios do comércio do açúcar, mas a revolta dos
escravos ganha pernas próprias e prova-se difícil de controlar. Marlon Brando é
irrepreensível no papel de William Walker, um cínico mercenário inglês que
compreende demasiado bem a lógica do lucro e a desumanidade do colonialismo
para lhes ser indiferente.
21º Matewan
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1987
Realizador: John
Sayles
Este filme é uma refrescante surpresa
de Hollywood, que com um elenco salpicado de estrelas (Chris Cooper, James Earl
Jones, Mary McDonnell, etc.) e numa linguagem típica dos blockbusters, narra a
Batalha de Matewan, na Virgína Ocidental, com acuidade histórica e destemido
comprometimento político. O argumento centra-se na chegada de Joe Kenehan,
sindicalista e comunista à pequena comunidade mineira de Matewan, onde se dará
uma batalha de classes pela dignidade contra o racismo, o capitalismo e a
exploração do homem pelo homem.
20º Também a Chuva (También
la Lluvia)
País: Espanha,
México, Bolívia e França
Ano: 2010
Realizador: Icíar
Bollaín
Um dos filmes mais inteligentes dos
últimos anos, cheio de subtilezas e resultado da colaboração de pesos pesados
da sétima arte como o guionista Paul Laverty e os actores Gael García Bernal e
Luis Tosar. Com apurada sensibilidade, Icíar Bollaín apresenta-nos uma equipa
de rodagem espanhola que ruma à Bolívia para, ao mais baixo preço, filmar um
documentário sobre a chegada de Cristóvão Colombo à América.
Paulatinamente, o
guião do documentário, que narra a história do genocídio e resistência dos
indígenas, inspira e reflecte uma luta de vida ou morte contra a privatização
da água, em que os índigenas contratados como extras se decidem a ser, de uma
vez por todas, protagonistas da sua própria História. Uma bela história, sobre
um povo ajoelhado que aprende a caminhar.
19º Os Diários de Motocicleta
(Diarios de motocicleta)
País: Argentina,
Chile, EUA, Peru, França. Alemanha e Reino Unido
Ano: 1969
Realizador: Walter
Salles
Baseado nos diários do Guerilheiro
Heroico, este filme biográfico consegue a proeza rara de contar a travessia
trans-americana do jovem Ernesto de acordo com a máxima do mesmo: duramente,
mas sem perder a ternura. Produção internacional de uma rara beleza, Os
Diários de Motocicleta mostram uma América explorada e ajoelhada, mas
igualmente o profundo amor dos comunistas à humanidade, ao ponto de morrer por
ela e também de nos fazer chorar.
18º A Greve (Стачка)
País: União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ano: 1925
Realizador: Sergei
M. Eisenstein
A primeira longa-metragem de
Eisenstein faz os filmes mudos coevos parecerem anémicos. A Greve é
uma obra de arte tão original como arriscada, que define já a finura de
Eisenstein e, por corolário lógico, a genética do cinema moderno. Ao contrário
de muitos outros filmes mudos da época, os actores não precisam de exagerar as
expressões faciais para compensar com histrionismo a incapacidade de falar.
Eisentein consegue tudo por todos os meios. Através de colagens, ângulos de
câmara loucos, rápidas sequências entrecortadas e efeitos especiais, ficamos a
conhecer a miséria dos operários russos, as suas reivindicações, a sua corajosa
luta e, por fim, a sua brutal supressão.
17º A Melhor Juventude (La
meglio gioventù)
País: Itália
Ano: 2003
Realizador: Marco
Tullio Giordana
Seis horas de filme não é
brincadeira. Mas em A Melhor Juventude não há nem um minuto em
excesso e o resultado final prima pelo brilhante exercício de economia. É que
Giordanna está a contar-nos a história de um grupo de amigos ao longo de 50
anos e qualquer grupo de amigos a sério tem muito que contar. As actuações são
brilhantes e o argumento é tocante. Mas o que mais sobressai, é a honestidade
com que se aborda a história recente de Itália, das lutas dos estudantes
universitários às Brigadas Vermelhas até à diluição dos ideais socialistas. Um
filme que todos deveriam conhecer.
16º Che
País: Espanha,
França, EUA
Ano: 2008
Realizador: Steven
Soderbergh
O Che dizia que numa revolução, se
for verdadeira, ou se triunfa ou se morre. As duas partes deste filme revelam a
crueza da guerra revolucionária, para lá de quaisquer fantasias esquerdistas.
Benicio del Toro converte-se em Guevara com tanta arte que nada nas suas
palavras, nos seus trejeitos ou mesmo na sua aparência física o denuncia. Che é
uma sublime e original lição de humanidade, que salpica com generosidade e
comunismo os mais ínfimos detalhes de uma guerra tão sangrenta e brutal como
cada vez mais necessária.
15º Estado de Sítio (État de
Siège)
País: França
e Itália
Ano: 1972
Realizador: Costa-Gavras
Costa-Gavras foi um dos realizadores
mais politicamente comprometidos do século passado. E também um dos melhores.
Em Estado de Sítio, o génio grego explora as brutais consequências
do imperialismo norte-americano nos regimes sul-americanos. Com Yves Montand e
Renato Salvatori nos papéis principais, o filme segue o grupo de guerrilha
urbana durante o sequestro e interrogatório de um dirigente da CIA. Baseado no
sequestro de Dan Mitrioni pelos Tupamaros uruguaios, Estado de Sítio foi
apedrejado pelos críticos de cinema dos EUA que o acusaram de propagandear
mentiras sobre o envolvimento dos EUA na promoção de ditaduras na América do
Sul. Um ano mais tarde, a CIA oferecia o Chile para abate a Pinochet.
14º Brisa de Mudança (The
Wind that Shakes the Barley)
País: Irlanda,
Reino Unido, Alemanha, Itália, Espanha, França, Bélgica e Suíça
Ano: 2006
Realizador: Ken
Loach
Da Irlanda à Colômbia, passando pelo
País Basco ou pelo Vietname, há um sentimento que predispõe povos pacíficos a
se levantarem em armas para matarem os seus irmãos. É do antiquíssimo
sentimento de humilhação que trata este filme. É pesado, triste e duro de se
ver, mas indispensável para quem pretender compreender a luta dos irlandeses
pela liberdade. Com trabalhos de fotografia e direcção de primeira classe, Ken
Loach traz-nos aos anos vinte do século XX irlandês, para conhecer o trágico
percurso de dois irmãos no IRA.
13º Apocalyspe Now
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1979
Realizador: Francis
Ford Coppola
Um dos clássicos do cinema americano
e provavelmente a melhor adaptação ao cinema de qualquer livro. Baseado no Coração
das Trevas de Joseph Conrad, Apocalypse Now substitui o colonialismo
belga no Congo pelo imperialismo norte-americano no Vietname, denunciando a
monstruosidade da guerra e a desumanização dos soldados. Fotografado com a
mestria de Coppola, Apocalypse Now é uma poderosa metáfora
sobre a natureza humana e o mais competente dos ensaios cinematográficos sobre
a guerra.
12º Outubro (Октябрь (Десять
дней, которые потрясли мир))
País: União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ano: 1927
Realizador: Sergei
M. Eisenstein
Estreado no quadro das comemorações
do 10º aniversário da Revolução de Outubro, o filme Outubro é
uma revolução em si próprio: a abordagem à teoria da montagem de Eisenstein
desconstrói a formalidade narrativa do cinema convencional e introduz a edição
e a pós-produção como meios de alcançar a dialética. Esteticamente tão
arrojador como o período histórico que retrata, Outubro definiu
para sempre o imaginário mundial da revolução socialista russa.
11º Eu Sou Cuba (Soy Cuba)
País: Cuba
e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ano: 1964
Realizador: Mikhail
Kalatozov
Eu sou Cuba é
o impensável resultado da colaboração entre um poeta e um realizador
soviéticos, e um escritor cubano, que contam a História de Cuba na primeira
pessoa. Uma nação arrastada pelos rodapés de historiografias estrangeiras
levanta-se do chão e consegue a verdadeira independência. Eu Sou Cuba é
inacreditável, uma viagem sideral filmada num preto e branco belissimamente
fotografado. Os ângulos de câmara são acrobáticos, os cortes são psicadélicos e
a música é autenticamente cubana.
10º Reds
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1981
Realizador: Warren
Beatty
Esta mega-produção de Hollywood entra
no décimo lugar da lista pela porta grande da sétima arte. Não sei o que neste
filme é mais apaixonante: as inspiradoras actuações de Jack Nicholson, Diane
Keaton, Maureen Stapleton e, sobretudo Warren Beatty no papel de John Reed (o
jornalista americano que no calor da Revolução de Outubro escreveu “Os Dez Dias
que Abalaram o Mundo”)? Ou o brilhante guião que nos transporta aos loucos anos
20, às eternas discussões e contradições da esquerda e ao mais relevante
acontecimento histórico do século XX? Ou as adoráveis entrevistas a uns
improváveis e brilhantes velhinhos americanos?
9º Às Segundas ao Sol (Los
Lunes al Sol)
País: Espanha
Ano: 2002
Realizador: Fernando
León de Aranoa
Um monumento à classe operária como
ela é e não como nós gostaríamos que ela fosse. A história dos operários navais
de Vigo, na Galiza, a quem o capitalismo roubou o trabalho, a vida e a
esperança mas nunca a dignidade. Um filme que só não fará chorar os ricos e os
corações empedernidos que nos fala das pequenas misérias e prazeres do povo
trabalhador: a operária de peixaria que não se consegue libertar do fedor; o
imigrante de leste que conta aos amigos que na URSS era cosmonauta; o
desempregado de meia-idade que se recusa a aceitar que ninguém lhe dá trabalho
por ser velho demais; o antigo operário que lutou, fez greves e manifestações
que perdeu e voltaria a fazer tudo outra vez; o cínico que traiu a sua classe
por uns trocos. O retrato perfeito de quem sobrevive num eterno domingo.
8º Tempos Modernos (Modern
Times)
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1936
Realizador: Charlie
Chaplin
A arte de Charlie Chaplin é agarrar
um argumento sem nada de especial e num conjunto de cenas cómicas do mais simples
que há e criar uma das obras primas do cinema: uma peça de arte de valor
cinematográfico, artístico e histórico transcendente, que ressoa através do
tempo e chega aos nossos com a mesma autoridade. O protagonista é um
trabalhador que apenas quer levar uma vida honesta e ganhar para o pão, mas por
alguma razão, tudo lhe corre mal e essa razão chama-se capitalismo.
7º Horizontes de Glória
(Paths of Glory)
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1957
Realizador: Stanley
Kubrick
Horizontes de Glória é
talvez a obra cinematográfica que melhor personifica os ideias anti-belicistas
da esquerda. A película leva-nos às trincheiras fratricidas da I Guerra
Mundial, onde seres humanos são jogados contra a lógica no campo de batalha
pelos burocratas da morte. Quando um batalhão se recusa a avançar para uma
morte certa, quatro soldados são escolhidos para ser fuzilados como
bodes-expiatórios, pondo em marcha um debate marcante sobre o nacionalismo
burguês, a autoridade e o valor da vida.
6º O Ódio (La Haine)
País: França
Ano: 1995
Realizador: Mathieu
Kassovitz
O Ódio é um
murro no estômago. Nesta Paris já não mora Amélie Poulain. Nesta França não há
gente bonita a sonhar acordada entre os cafés dos anos sessenta, os jardins
renascentistas e os apartamentos Haussmann. O Ódio é uma
viagem com os excluídos da sociedade francesa, os que cheiram mal e não
gostavam da escola. Não paternaliza nem idealiza, limita-se a seguir e a
escutar os embaixadores da racaille, que cometem pequenos crimes,
enfrentam os neonazis e o desprezo da sociedade, mantêm alguns dos diálogos
mais autênticos do cinema francês e, contra todas as expectativas, sonham.
5º Harlan County, USA
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1976
Realizador: Barbara
Kopple
Como cantam os mineiros no filme, “Dizem
que em Harlan County / por lá não há neutrais. / Ou és um sindicalista / ou um
arruaceiro para o J. H. Blair. / De que lado estás, rapaz? / De que lado
estás?” Este documentário está para os anos setenta como Outubro de
Eisenstein está para os anos 20: é um autentico manual de organização de greves
e um indescritível testemunho da coragem dos mineiros americanos. Os
protagonistas desta luta, especialmente as mulheres, são tão genuínos que
reduzem as personagens de qualquer obra de ficção a meras caricaturas. Nunca
ouvi falar de quem terminasse o filme com os olhos secos.
4º O Sal da Terra (The Salt
of the Earth)
País: Estados
Unidos da América
Ano: 1954
Realizador: Herbert
J. Biberman
“Como posso começar a minha história
que não tem começo? O meu nome é Esperanza, Esperanza Quintero. Sou a mulher de
um mineiro. Esta é a nossa casa. A casa não é nossa. Mas as flores… as flores
são nossas. Esta é a minha aldeia. Quando eu era uma criança, chamava-se São
Marcos. Os “anglos” mudaram o nome para Zinc Town. Zinc Town, Novo México. As
nossas raízes neste lugar são profundas.
Mais profundas que os pinheiros, mais
profundas que a mina”. Assim começa O Sal da Terra, que esteve
banido nos Estados Unidos até aos anos 60. Todos os envolvidos na sua produção
foram adicionados à infame lista negra do cinema norte-americano; a
protagonista foi deportada para o México e o argumentista passou mais de um ano
na prisão. Porquê? Porque este filme é perigoso por ser simultaneamente tão
belo e tão corajoso. A luta dos mineiros norte-americanos vista de uma
perspectiva de classe em que as mulheres e os imigrantes são líderes e iguais.
3º A Batalha de Argel (La
battaglia di Algeri)
País: Argélia
e Itália
Ano: 1966
Realizador: Gillo
Pontecorvo
A Batalha de Argel,
banido em dezenas de países e censurado em quase todos. A magnum opus de
Pontecorvo não se comociona com o falso humanismo burguês nem cede à vertigem
infanto-militarista do esquerdismo. Num corte de direcção geniais e com actores
tão hábeis que muitos espectadores acreditaram tratar-se de um documentário,
mergulhamos numa das mais sangrentas revoluções da História e somos forçados a
colocarmo-nos de um dos lados desta brutal barricada, opção que os oprimidos
nunca tiveram. Nenhuma outra narrativa cinematográfica descreve de forma tão
vívida e detalhada a revolta dos povos colonizados e as questões que A
Batalha de Argel coloca são tão válidas para a Argélia dos anos 50
como para o Afeganistão dos nossos dias.
2º O Couraçado de Potemkin
(Броненосец «Потёмкин»)
País: União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Ano: 1925
Realizador: Sergei
M. Eisenstein
Aos 88 anos, este filme mudo ainda
não perdeu o pio. Pelo contrário, O Couraçado de Potemkin é
uma lufada de frescura e ousadia no sapal por onde hoje paira o cinema
comercial. A obra-prima de Eisenstein, não é nem mais nem menos que a obra
fundadora do cinema moderno, tão bela como inspiradora, tão transgressora
formal e esteticamente como revolucionária politicamente.
Eisenstein domina a
celuloide como Miguel Ângelo domina a pedra ou Matisse domina a cor e consegue
levar-nos a cada emoção, a cada surpresa, a cada momento de indignação e
solidariedade com tanta subtileza que só nos apercebemos do caminho percorrido
chegados ao fim da jornada. Esta é a história verídica dos marinheiros que se
recusaram a comer carne podre, porque eram gente. Esta é a história da luta de
vida ou morte que se seguiu pela dignidade dos trabalhadores de Odessa, porque
também eram gente. Esta é a história do massacre policial que se seguiu e das
vozes que não puderam estrangular, porque, como dizia Adriano Correia de
Oliveira, ninguém pode vencer um povo que resiste.
1º 1900 (Novecento)
País: Itália,
França e Alemanha Ocidental
Ano: 1976
Realizador: Bernardo
Bertolucci
1900 é
inigualável. Os campos da Emília-Romanha são a tela para a metáfora acabada do
que foi o século XX, onde dois rapazes e duas classes sociais crescem e
aprendem, separados por interesses inconciliáveis. Cada fotografia deste filme
é um quadro repleto de beleza; todas as actuações, de Gérard Depardieu a Robert
de Niro, são brilhantes; a música, de Ennio Morricone, é sublime. 1900 fala
sobre a génese do fascismo, a vida dos que trabalham e a luta pelo socialismo
na linguagem comum de toda a humanidade: o amor, o ódio, a compaixão e a
solidariedade.