A inédita
engenharia financeira, aprovada pelo Eurogrupo, formado pelos 17 ministros das
finanças da zona do euro, não precisa passar pelo Parlamento cipriota e é causa
da ira de correntistas da ilha, entre eles cidadãos russos que detêm cerca de
um terço do dinheiro parado no país. O objetivo da taxação é recapitalizar o Banco
do Chipre e abrir caminho para a entrada do FMI na ilha com um empréstimo de 10
bilhões de euros (cerca de R$ 26 bilhões).
De acordo
com o Banco Central do Chipre, os depósitos acima de 100 mil euros terão uma
fatia de 37,5% “automaticamente convertida em ações classe A do Banco do
Chipre, com direito a voto e lucro”. Outra fatia, de 22,5%, será “congelada
temporariamente e parte, ou o valor total, será convertida em ações do banco
com direito a voto e lucro para o resgate do banco.” Não há garantias sobre
retorno financeiro das conversões.
A Comissão
Europeia, composta pelos ministros de Finanças da zona do euro, afirmou na semana
passada que o controle de capitais na Chipre - limites de saques, de
transferências e de uso de cartão de crédito no exterior, entre outras medidas
- deverá durar até a próxima quarta-feira (04/04). A bolsa de valores do país
voltaria a operar nesta segunda-feira (01/04).
O presidente
da ilha mediterrânea, Nicos Anastasiades, do Partido Conservador, agradeceu a
“maturidade” dos cipriotas por não terem causado tumultos nos bancos do país,
que abriram após duas semanas de portas cerradas. Ao mesmo tempo, seus
familiares são acusados de enviar 21 milhões de euros para Londres dias antes
de acordar o congelamento de taxação de depósitos no país.
‘Solução’ estava na mesa
As declarações da Comissão Europeia e de Anastasiades, que desenham um
aparente sucesso na aplicação de medidas impopulares no Chipre, restringindo a
movimentação financeira, escondem um clima de grande incerteza sobre os rumos
da zona do euro. A entrevista do chefe do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, que
cravou a intervenção financeira no Chipre como um “modelo” para futuros
“resgates” - envolvendo a taxação de depósitos bancários - causou um forte eco
negativo nos mercados e precisou ser abrandada posteriormente, em nota oficial.
O ministro
das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, também se apressou a por panos
quentes sobre o que dissera Dijsselbloem, mas na sexta-feira (29/03), em meio
ao vaivém declaratório sobre o sistema financeiro cipriota, um membro do alto
escalão do BCE (Banco Central Europeu) fez reviver o temor dos mercados. Mais
do que isso, disse que a solução encontrada para o Chipre é algo considerado
pela troika há tempos.
“O conteúdo
de suas declarações [de Dijsselbloem] refletem a abordagem que esteve na mesa
há um bom tempo na Europa. Essa abordagem será parte da política de liquidação
europeia”, afirmou Klaas Knot, do conselho do BCE ao jornal holandês Het Financieele
Dagblad. Surgiram então informações de que o mesmo tipo de “resgate” foi
considerado para a Grécia, hoje com os piores índices econômicos da zona do
euro.
Com a
afirmação, o conselheiro do BCE deixa na ponta dos pés países com o mesmo
perfil do Chipre, como Malta e Luxemburgo, paraísos fiscais que sobrevivem à
custa do mercado financeiro, e expõe um caminho que vai contra o artigo 1º da
Convenção Europeia de Direitos Humanos, que versa sobre o direito à
propriedade. Analistas avaliam que ao impor um bloqueio aos depósitos
bancários, a convenção está sendo gravemente ferida.
Fonte: Ana
Carolina Marques/Opera Mundi