Agora
que as eleições terminaram, o julgamento da Ação Penal 470 (mensalão) está se
encerrando e a CPI do Cachoeira foi deixada de lado, preparem-se porque a
libido política agora se voltará para "financiamento público de
campanha".
Os políticos adoram a ideia: quem não quer tirar dos ombros a responsabilidade de arranjar fundos, cada vez maiores, além de prestar conta (de uma parte) deles? Os políticos e militantes de dos nanopartidos gostam ainda mais: não precisariam mais crescer para aparecer, já que a bolsa dos brasileiros estará aberta para todos. Os de esquerda acham uma delícia: não precisam mais esmolar junto aos donos do dinheiro privado, já que o dinheiro público é farto e, como se sabe, não tem dono nem faz falta.
Os
moralistas (cataristas, xiitas e assemelhados) encontraram nisso a pedra
filosofal: nunca mais haverá corrupção, pois a política e o capital privado,
não tendo que se misturar na campanha, não teriam porque frequentar os mesmos
ambientes durante o exercício dos mandatos.
Os argumentos parecem fortíssimos e arrastam multidões para uma
unanimidade assustadora. Ciscam de lá, ciscam de cá, a base de todos os
argumentos é a mesma: 1. Há corrupção por que o alto custo das campanhas obriga
os políticos a contrair obrigações com o capital privado, que depois são pagas
em favorecimentos; 2. O financiamento público de campanha evita essas relações
indecorosas; 3. Logo, o financiamento público de campanha evita ou diminui a
corrupção.
Os militantes e simpatizantes de partidos de esquerda gostam também
de um argumento suplementar: 1. O alto custo de campanha prejudica os partidos
pequenos e mais à esquerda, que têm maior dificuldade para conseguir fundos
privados. 2. Esta assimetria na capacidade de arrecadação produz vantagens
indevidas para os partidos grandes, os patrimonialistas e os de direita; 3. O
financiamento público de campanha teria uma função democratizante, igualando as
chances de todos os tipos de partido.
Já notei também um argumento contábil no mercado de opiniões,
que complementa o primeiro: Custa muito mais aos cofres públicos a corrupção do
que o financiamento público de campanha.
São falácias.
1. Sim, o alto custo das campanhas produz relações indecorosas
entre público e privado. Mas daí não segue que os políticos se deixam corromper
para honrar obrigações estabelecidas em virtude do financiamento das campanhas.
A expressão é feia, mas homens honrados honram compromissos; corruptos não
correspondem exatamente à definição de honradez, não é?
2.
Alguém precisaria provar que as autoridades públicas (políticos e funcionários
públicos) se corrompem por causa de débitos e obrigações de campanha. Qual é a
evidência disso? Parece-me mais lógico imaginar que autoridades públicas se
corrompem quando podem obter vantagens, quando há ganhos envolvidos - não se
corrompem para acertar dívidas passadas, mas para ter ganhos futuros.
3.
Autoridades se corrompem porque há fartas possibilidades de ganhos e há baixo
risco de punição. Simples assim. Em qualquer democracia liberal séria, o que se
faz é aumentar o risco de punição, por meios de maior transparência, mais
instâncias de controle, melhores processos de controle, aumento das sanções. Em
suma: aumentam-se exponencialmente os custos da corrupção. Aqui não: querem
diminuir a tentação. É a lei do gato: gato gordo não rouba peixe, então
engorda-se o gato para que ele não te roube. Lógica? Pelo menos nenhuma do tipo
republicano.
4. O
argumento central, em boca de políticos é na verdade uma chantagem patética.
Soa assim: se vocês brasileiros não pagarem a minha campanha estão me forçando
a ser corrupto. Ah tá. Nós, pessoas ordinárias, não poderemos usar um argumento
desses que logo alguém dirá que há leis e punições neste país. Quanto à
política, não, naturalizamos de tal maneira o comportamento fisiologista que
achamos melhor engordar logo e gato do que em escaldá-lo para que aprenda. Eu
falo.
5.
Alguns partidos não consegue grana privada? Ora, financiem as suas campanhas
com a bolsa dos seus afiliados, aderentes, militantes e simpatizantes. Se não
têm filiados e simpatizantes em número suficiente para sustentar a sua
campanha, talvez vocês não mereçam ser um partido. Por que os brasileiros têm
que sustentar campanhas de 30 partidos, quando mais da metade deles é sem base
popular nem representatividade? Acho que esse deveria ser um primeiro teste
para saber se um partido representa algo do que deveria representar - uma parte
da sociedade: peçam doações de pessoas privadas, se não conseguirem, fechem a
bodega. Não contem comigo para simpatia automática ao parasitismo político. Nem
de esquerda. Grupos não merecem ser um partido porque têm ideias legais; serão
de fato um partido quando tiverem adesão em volume suficiente para lhes dar
cargos nas eleições e grana para as suas campanhas.
6. As
campanhas já têm muito financiamento público. Os fundos partidários são
dinheiro público. O horário da propaganda eleitoral é gratuito apenas para os
partidos, mas eu e você o pagamos por meio da renúncia fiscal do Estado. Está
pouco ainda? Façam um teste e troquem a palavra "Estado" e
"público" por "brasileiros", por exemplo. E perguntem-se:
vocês querem que os brasileiros paguem integralmente as campanhas políticas (de
dois em dois anos) no Brasil ou preferem que usem esta grana para outras
coisas? O dinheiro que iria para as campanhas não é sem dono e sem uso. Quando
vai para as campanhas deixa de ir para a escola, segurança, habitação,
ciência... E aí, topam?
Fonte:
Wilson Gomes – blog do Nassif