Na ciranda da tesouraria
embalam-se os interesses das grandes corporações –bancos ou grupos
empresariais, locais e globais. Ademais da insaciável legião dos acionistas,
cuja pátria são os dividendos.
O conjunto movimenta riquezas
apreciáveis. Fundos de aplicações financeiras registraram um giro de R$ 2,4
trilhões no Brasil em 2012. O valor equivale a mais da metade do PIB em
direitos sobre a riqueza real.
Não é um país à parte, embora se
avoque mordomias, soberania e imunidades equivalentes às de um poder paralelo. Pelotões
de estrategistas, exércitos de consultores, inteligência acadêmica, bancadas
legislativas, mídia e aliados internacionais mantêm-se e são mantidos a seu
serviço. Em prontidão permanente. Diária.
Para assegurar à riqueza
financeira ganhos de rentabilidade inexcedíveis em qualquer outro setor
econômico. Aqui e alhures. O governo Dilma vem tornando difícil a vida das
tesourarias no Brasil. O rebate é forte.
O inconformismo escorre do
noticiário econômico para os espaços onde os cifrões são traduzidos em 'projeto
de país'. E daí estampados em colunas, editoriais, discursos, candidaturas
amigáveis aos mercados.
Com propriedade o ministro Paulo
Bernardo carimbou na rebelião das tesourarias um adesivo certeiro: 'o partido
do juro alto'. Aécio Neves com seu aparato de ‘professores-banqueiros' colou-o
na testa. A tesouraria prepara-se para 2014, mas ainda não em campo aberto. Droners
controlados à distância cuidam do bombardeio.
A meta é implodir a costura de
uma política econômica que busca promover a eutanásia do rentista em duas
frentes. Seccionando linhas de alimentação do capital fictício com juros baixos
e IOF alto, de um lado.
De outro, abrindo frentes de
infraestrutura e mantendo o consumo de massa aquecido, na indução de um ciclo
de investimento com maior igualdade social. Busca-se um país que o Brasil nunca
foi de verdade.
O governo cutuca placas
tectônicas. Com um juro básico em 7,25%, uma inflação em torno de 5,5%, mais
impostos, obter ganho real nas aplicações financeiras deixou de ser mamão com
açúcar. O que está em jogo não é algo trivial. Trata-se de mudar as condições de
financiamento da economia. E os objetivos do desenvolvimento.
A seta do tempo vive um novo
estirão. Luta-se para consolidar uma nova hegemonia ancorada nas energias,
demandas e protagonistas que iniciaram a longa viagem à procura de um Brasil
inédito, a partir das greves metalúrgicas do ABC paulista, nos anos 70/80.
Um passaporte da travessia é
regenerar a base industrial brasileira. E tampouco aqui é contabilidade. Trata-se
de um requisito para gerar empregos e salários de qualidade; ademais de receita
fiscal compatível com investimentos sociais, ambientais e logísticos que uma
cidadania plena reclama.
Estabilidade ancorada em juro
baixo e câmbio desvalorizado (para impedir importações devastadoras da produção
local) é uma receita é mortal para a riqueza financeira. Seu habitat é o jogo
intertemporal incessante em que presente e futuro se fundem na busca do
rendimento alto e constante.
Todo o círculo de interesses que
orbita em torno dessa roleta está em pé de guerra contra o governo. À falta de
um horizonte volátil, semeia-se um ambiente político de beligerante
'desconfiança'. Do forte apache partem
mísseis com alvos selecionados. A saber:
I) ‘a
ameaça inflacionária voltou: com juros baixos, salários, emprego e crédito em
alta, em contraposição à oferta rígida de bens – um reflexo do baixo
investimento –, a disparada dos preços é inevitável’.
É uma meia verdade. A inflação
encontra-se estável, com os preços no atacado em queda. E o investimento é uma
batalha em curso. A rigidez por enquanto é mais um alarmismo que o jogral
rentista quer transformar em profecia autorrealizável.
II) 'o
governo fracassou em expandir o investimento em infraestrutura'.
Também uma verdade parcial,
descontextualizada. Esquece-se de que o Estado foi desmontado nos anos 90 e
sistematicamente acuado para não se reerguer –coisa que vem sendo feita com
acanhamento. Ainda assim, em 2012 o investimento público cresceu 13%; o PAC
acionou R$ 40 bi em obras.
III) 'a
política econômica intervencionista gera incertezas e trava a retomada do crescimento'.
Capcioso. Até o FMI admite que a
santíssima trindade ortodoxa feita de meta de inflação pautada pelo mercado
financeiro, superávit fiscal rígido e câmbio livre pode e deve ser adequada às
necessidades contracíclicas do desenvolvimento.
Mas a fuzilaria não vai parar. Quem
perdeu a doce vida de dividendos médios de 19% ao ano (fruto predominante da
especulação em bolsa e não da produtividade), e viciou na roleta generosa, de
juros três vezes acima da inflação, não vai largar o osso pacificamente.
Por trás dos ganidos emitidos
pela mídia, há um cachorro grande a latir grosso. É o forte apache das
tesourarias. Sob risco de se mistificar o protagonismo da mídia, seu nome não
pode mais ser omitido quando se denuncia a narrativa do golpismo.
Por Saul Leblon Agência Carta maior