Com a
proposta feita por um grupo seleto de renomados juristas que pretendem
criminalizar o enriquecimento ilícito de servidores públicos dentro do contexto
do novo Código Penal, estamos vivendo um momento sem precedentes.
Caso essa
proposta seja aceita, pessoas que antes pretendiam ocupar cargos públicos com
segundas intenções passarão a ter que pensar duas vezes. Atualmente não é crime
enriquecer "sem fundamento", ou seja, sem que se tenha uma razão
legal para tanto. Nos dias de hoje, pessoas mal intencionadas criam uma
aparente razão para o seu estilo de vida incompatível com sua carreira
profissional.
A carreira
pública jamais deveria ser escolhida por aqueles que buscam riqueza. Deveriam
se enveredar por esse caminho aqueles que o fazem por vocação, que buscam
estabilidade profissional ou que não são afeitos às pressões e aos riscos da
livre iniciativa.
O Brasil é
um dos poucos países que não pune a empresa que corrompe as autoridades
governamentais
É
importante que se diga que todos os servidores públicos, sem exceção, estão
sujeitos a princípios constitucionais que se traduzem, acima de tudo e de
todos, em princípios éticos fundamentais que devem nortear o desempenho
profissional dos mesmos, em estrita observância aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
No momento
de sua posse, cabe ao servidor público fornecer cópia da sua declaração de bens
por força da Lei nº 8.730/93. Significa dizer que se um servidor público vier a
enriquecer por causa de atividades alheias à sua vida pública (direito este que
não lhe está sendo tolhido), é justo e legal que o mesmo comprove a origem de
seus recursos, observadas as formalidades existentes para garantir a
confidencialidade destas informações. Ora, sendo lícita a atividade
desempenhada por um cidadão, qual a dificuldade para provar sua renda? Aliás,
não deveria ele fazer isso anualmente para o fisco nacional?
De acordo com
o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves, nosso ordenamento jurídico
possui ferramentas capazes de punir indivíduos envolvidos em atos de corrupção
e lavagem de dinheiro, faltando apenas criminalizar o enriquecimento ilícito na
esfera pública. No entanto, especialistas no assunto afirmam que essa carência
legislativa vai além.
Segundo a
Controladoria Geral da União, não há corrupção sem que haja corruptor, e pelo
que se vê das recentes leis anticorrupção adotadas por inúmeros países,
inclusive por todas as outras nações que compõem o Brics (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul), é fundamental punir o corruptor que se beneficia
desse tipo de "vantagem".
O Brasil
ainda é uma das poucas nações que se limita a responsabilizar - nas modalidades
ativa e passiva - as pessoas físicas que praticam o crime de corrupção,
deixando de punir a empresa corruptora. São essas empresas, e não simplesmente
seus representantes, que buscam vantagens ilícitas para favorecer ou
incrementar os seus negócios.
É disso que
se trata o Projeto de Lei nº 6.826/2010, que agora está sendo chamado de Lei da
Empresa Limpa (www.empresalimpa.org.br), em trâmite em Comissão Especial. Esse
projeto responsabiliza, civil e administrativamente, a pessoa jurídica que -
por meio de seus executivos, lobistas e representantes - corrompe autoridades
governamentais de todos os escalões, de todos os poderes e em todas as esferas,
tanto no Brasil quanto no exterior.
Em suma, é
um dispositivo legal muito potente, similar à lei americana FCPA (do inglês,
Foreign Corrupt Practices Act), que passou a existir em 1977 por causa do
escândalo Watergate. Juntamente com a legislação UK Bribery Act, que passou a
valer no Reino Unido em julho de 2011, essas leis anticorrupção são cada vez
mais temidas no mundo corporativo pelas multas pesadíssimas impostas às
empresas infratoras.
No próximo
dia 23 de maio, está prevista uma importante votação na Comissão Especial
formada pela Câmara Federal para dar prioridade e imprimir velocidade à
tramitação do PL 6.826/2010. Especula-se, por outro lado, que aqueles que não
desejam essa evolução social estejam tentando barrar a aprovação do texto final
do projeto, postergando sua remessa para o Senado.
A Lei da
Empresa Limpa é mais do que uma tendência global e, frise-se, foi um dos
compromissos assumidos pelo Governo Federal quando da ratificação da Convenção
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2000.
Dos 39 países que ratificaram a Convenção Anticorrupção da OCDE, apenas Brasil,
Argentina e Irlanda ainda não possuem em seu ordenamento jurídico esse tipo de
lei que pune a empresa corruptora.
Enquanto o
Brasil continuar deixando de cumprir com seus compromissos internacionais em
áreas tão importantes como é o combate à corrupção, provavelmente continuará
enfrentando dificuldades para receber o reconhecimento que almeja e - de fato -
merece.
Por Leonardo Machado -
sócio do escritório Machado Meyer Advogados.Fonte: Valor Econômico