Na segunda metade do século XVIII, o aparecimento
da primeira Revolução Industrial deu início à transição da sociedade agrária.
As bases da nova sociedade urbano-industrial
impuseram significativos ganhos de produtividade no trabalho, decorrentes da
emergência do novo padrão de produção e do consumo associado ao uso intensivo
de carbono.
Com isso, a expansão da base material da economia
foi tornando possível elevar o padrão de bem-estar social por meio de grandes
lutas sociais e políticas, como no caso de modalidades emancipatórias na
condição de trabalho pela sobrevivência.
Diante da elevação da expectativa média de vida
para mais de 50 anos de idade, houve importante redução da carga horária de
trabalho dos segmentos sociais ativos e proteção aos riscos do trabalho penoso.
Por meio da captura de parte do excedente econômico
gerado pela sociedade urbano-industrial, responsável pela expansão do fundo
público, tornou-se possível viabilizar o financiamento da inatividade de
crianças, adolescentes e idosos por meio de uma garantia generalizada de
serviços (saúde, transporte e educação públicos), bens (alimentação, saneamento
e moradia) e rendas (bolsas e subsídios).
Uma vez concluída a formação para o trabalho (até
os 15 anos de idade), tinha início o exercício do trabalho durante 30 a 35
anos, com contribuição ao fundo público capaz de permitir a imediata passagem
para a inatividade (sistema de aposentadoria e pensão que legava viver sem mais
depender do mercado de trabalho).
Isso se tornou mais evidente desde o final do
século XIX, com o avanço da Segunda Revolução Tecnológica, que, simultaneamente
à ocorrência da Depressão entre 1873 e 1896, abriu lugar à nova disputa entre
nações emergentes pela sucessão da liderança inglesa.
Alemanha e Estados Unidos despontaram com o
protagonismo da industrialização retardatária, com ganhos de produtividade
superiores a todos os demais países.
A solução final, todavia, ocorreu mais tarde, após
a realização de duas grandes guerras mundiais, em que a Alemanha foi derrotada
sucessivamente.
No contexto da Guerra Fria (1947–1991), mesmo com a
presença da União Soviética, os Estados Unidos estabeleceram seu modo de vida
(american way of life) como forma de dominação global.
Mas a crise da produção em 1973 logo passou a
apontar os limites do americanismo, concomitantemente ao impulso emergente das
economias da Alemanha e do Japão.
A contrareforma neoliberal do final da década de
1970 permitiu aos EUA retomar com mais força sua hegemonia por meio do
reposicionamento do Japão à condição secundária (longa estagnação na década de
1990), da reacomodação da Alemanha no quadro das exigências de sua reunificação
e consolidação da União Europeia e, ainda, do estrangulamento das experiências
de socialismo real (desarticulação da União Soviética).
A condução da política neoliberal estadunidense
pós-crise de regulação da década de 1970 se mostrou suficiente para se antepor
ao fervor japonês e alemão, bem como levar à exaustão a experiência de
socialismo soviético.
Esse êxito, contudo, foi portador da corrosão das
bases produtivas do capitalismo norte-americano, o que fez repetir, guardadas
as proporções, a trajetória inglesa do final do século XIX, de contaminação
pelo vírus da improdutividade da financeirização da riqueza.
Paralelamente, parte da Ásia confirmou, por
intermédio de experiências nacionais, a constituição de uma nova fronteira de
expansão, as novas fontes de dinamismo do capitalismo global.
Justamente China e Índia, que foram, em especial,
os dois grandes territórios do planeta que perderam em função do avanço da
hegemonia inglesa e estadunidense na primeira e segunda Revolução Industrial e
Tecnológica, voltaram a se tornar emergentes diante da implantação de experiências
associadas ao planejamento central e vigor do Estado.
Reformas realizadas desde a década de 1980 foram
tornando esses países referências à expansão capitalista, com crescente
deslocamento da produção industrial ocidental para a Ásia, concomitantemente ao
avanço da Terceira Revolução Industrial e Tecnológica.
Por outro lado, a América Latina, África e parcela
dos países da Europa Oriental foram os maiores perdedores durante quase três
décadas de hegemonia das políticas neoliberais.
A despeito disso, o Brasil, só mais recentemente,
ressurgiu como alternativa em disputa na recuperação econômica para além do
centro capitalista mundial.
No contexto da sucessão de crises econômicas e
financeiras mundiais após 1973, alguns poucos países fora do eixo das economias
desenvolvidas apresentaram-se em condições de liderar um novo ciclo de expansão
produtiva. Essa possibilidade histórica encontra-se aberta ao mundo diante do
curso da transição da sociedade urbano-industrial.
Na sociedade pós-industrial em construção, o
conhecimento pode se tornar um dos principais ativos da propulsão do
desenvolvimento, cujo avanço da produtividade pertence ao comando do processo
de desmaterialização das economias.
Sob estas condições, depositam-se as possibilidades
adicionais da maior libertação do homem do trabalho pela sobrevivência, por
meio da postergação do ingresso no mercado de trabalho para depois do
cumprimento do ensino superior e da oferta educacional ao longo da vida.
O excesso da produção, não mais a escassez, parece
expressar a sociedade ancorada no trabalho imaterial e no conhecimento, o que
possibilita gestar um novo padrão de produção e consumo que não mais
protagoniza a degradação ambiental.
A sustentação do meio ambiente ganha importância
com a necessidade de mudança do atual modelo de produção e consumo, estimulado
pelo processo maior de desmaterialização das economias modernas.
Nada, contudo, está definido. Há tendências que
podem ser confirmadas à medida que os sujeitos históricos apresentam-se capazes
de construir seus próprios caminhos, orientados pela consolidação da liderança
econômica, social e ambiental no atual cenário mundial pós-neoliberal em
disputa.
Este artigo é parte integrante da edição 109 da revista
Fórum. * Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (Ipea) e professor livre-docente licenciado na área de economia
social e do trabalho e também pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de
Economia do Trabalho da Unicamp.