O modelo de comunicação em rede, onde os usuários podem se conectar
uns aos outros em qualquer canto do planeta, certamente provocou um profundo
impacto na política, na economia, na cultura e nos negócios. Conceitos como
Ciberdemocracia, wiki, Creative Commons e outros só existem porque a nossa
comunicação não é mais mediada apenas por grupos editoriais por trás dos
jornais e programas de TV, mas sim por servidores, operadoras de telefonia e
motores de busca. A comunicação ficou mais horizontal, interativa, abrangente,
inclusiva e participativa.
A evolução das tecnologias mediadoras - bem como dos interesses
corporativos por trás da galáxia internet - estão enviesando essa pretensa
liberdade sem que, muitas vezes, ninguém perceba. As operadoras podem copiar
seus dados de navegação para fins publicitários na surdina, por exemplo - vide
o caso da parceria entre a Oi e a Phorm. Outras vezes, somos nós quem
concedemos essa liberdade - quando um aplicativo do Facebook solicita muitas
permissões, digamos, e não nos preocupamos em revogar ou questionar.
Eli Parisier, jovem CEO de uma empresa de tecnologia, aponta outra
vereda pela qual a Web está trilhando. E tem a ver com moderação espontânea e
algorítmica de conteúdo nos mecanismos de busca e redes sociais. Quanto mais a
Grande Teia se torna semântica, quanto mais ela busca evoluir no sentido de
identificar o comportamento do usuário e levar conteúdo classificado pelas
equações como relevantes, mais nós nos isolamos em uma bolha de interesses. E
isso nos atinge de uma maneira imperceptível e entorpecente, um lacre
informacional manobrado por algoritmos que quantificam e qualificam a vida
online do usuário.
Há mais de uma década, o sociólogo Manuel Castells identificou esse
tipo de comportamento ao relatar que existe uma tensão, uma dualidade entre a
identidade do usuário e a Rede.
Em uma palestra no TED (confira o vídeo abaixo), Parisier aponta como
esse fenômeno está se manifestando de forma imperceptível, porém bastante
incisiva. "Aconteceu uma mudança na forma como a comunicação está fluindo
online. Ela é imperceptível. E se não tomarmos cuidado, isso poderá vir a ser
um grande problema", diz.
Se você não tem tempo ou paciência de assistir os 10 minutos de vídeo,
eu explico: só aparecem na timeline do Facebook as postagens de perfis com os
quais o usuário tem maior interatividade - seja através de comentários,
curtidas, compartilhadas ou cliques. Mas quem decide isso não é o usuário. Da
mesma maneira se dá a classificação de relevância no motor de busca do Google.
O termo "Egito" para um determinado usuário pode redirecioná-lo a
resultados genéricos, enquanto para outro aparece toda a cobertura sobre os
protestos e a queda de Hosni Mubarak. Segundo Parisier, existem até 57 sinais
que o Google observa sobre o usuário antes de determinar o que é interessante
ou não (conte-me mais sobre o Mac que você está utilizando, ou sobre esses
sites que você visitou semana passada). E aqueles filmes sugeridos na Netflix
não são aleatórios, mas baseados na sua classificação de outros títulos e
gêneros.
"Não é apenas o Google ou o Facebook. É algo que está varrendo a
internet. Há uma série de empresas que estão fazendo esse tipo de
personalização [...] E isto nos leva muito rapidamente para um mundo no qual a
internet nos mostra aquilo que ela pensa que queremos ver, mas não
necessariamente o que precisamos ver"
O conjunto desses filtros de personalização forma o filtro-bolha,
segundo Parisier, o seu "universo pessoal" de informação.
De certa forma isso é bom. Já li e ouvi várias críticas ao imenso
universo de informações relacionadas a apenas um termo, e como isso acabava
"desinformando" o usuário - ninguém vai verificar cada um dos 100 mil
resultados da busca no Google, por isso os engenheiros trabalham para colocar
na primeira página os resultados mais interessantes para nós. Como empresa, os
caras atuam para atender as necessidades do usuário, tomando a liberdade de
classificar o que é mais relevante e, com isso, gerar lucro. O Facebook, mais
do que nunca, precisa provar para os investidores que é uma plataforma
lucrativa e, com isso, a rede vai definir quais são os posts prioritários na
nossa timeline com base em quem paga. A linha editorial agora é exercida por
algoritmos, não mais por editores de carne e osso.
Parisier defende que essas empresas tenham uma postura mais cívica em
relação às informações para evitar a formação de bolhas viciosas em torno do umbigo
dos usuários, impedindo que eles tenham acesso a outras informações, a outros
filmes, a outras notícias que não fazem parte do seu escopo de relevância.
Baseado em como agem os gigantes da comunicação midiática há décadas, eu não
seria muito otimista em relação ao cumprimento desse dever cívico. As empresas
de internet estão assumindo o bastão da velha mídia, e não acredito que serão
mais éticos do que o grupo de Rupert Murdoch.
O que eu defendo é que os usuários sejam mais protagonistas em relação
à sua própria vida online e saibam utilizar a tecnologia sem se tornar
dependente das classificações de relevância impostas por essas empresas.
Existem dezenas de comandos na programação do mecanismo de buscas do próprio
Google que, se forem utilizados corretamente, podem levantar exatamente a
informação que o usuário realmente precisa. Quer informações? Vá atrás por
diversos meios, visite bibliotecas físicas, consulte jornais impressos e
compare com os resultados que você obteve - não espere que as empresas façam
isso por você, elas não têm essa obrigação.
Além disso, mais do que nunca as pessoas precisam conversar, trocar
oralmente experiências e informações. Esse ainda é o meio mais eficaz para você
conhecer novas bandas, novos escritores preferidos, novos filmes. Se você já
leu tudo de Stephenie Meyer, talvez seja a hora de conhecer algo mais Douglas
Adams ou Charles Dickens. Depois de assistir uma maratona das 10 temporadas de
Friends, que mal há em conferir Firefly? Não deixe que a internet viva a sua liberdade.