O debate foi
retomado no início deste ano depois que a população economicamente ativa caiu
pela primeira vez na história, além de problemas estatísticos, política do
filho único tem aumentado egoísmo dos chineses
Instituída
em 1979, a política do filho único estabeleceu severas multas para os casais
chineses que não cumprissem a lei. A legislação, que não é válida para membros
de minorias étnicas ou descendentes de casais que sejam filhos únicos, abarca
63% das províncias do país e gerou consequências inesperadas e indesejadas,
como o predomínio de homens adultos.
Segundo o
documento do Bureau Nacional de Estatística chinês, apesar de o número de
nascimentos ter crescido 0,17% em 2012, na comparação com o ano anterior e
chegando a 16,35 milhões de novos chineses, a população em idade para trabalhar
teve um declínio de 0,6%, o que significa 3,54 milhões de trabalhadores a menos
no país. Ma Jingfang, estatístico e colaborador do Bureau, disse à mídia local
que a China precisa de um novo plano “apropriado e científico para suas leis de
planejamento familiar”.
O ministro
responsável pela Comissão Nacional de Planejamento Familiar, Wang Xia, fez um
pronunciamento em janeiro dizendo que não haverá mudanças no controle de
natalidade, que, estima-se, evitou o nascimento de 400 milhões de chineses. O
debate, porém, anda acirrado entre os defensores do fim da política e Pequim.
“Se continuarmos assim, não teremos mais pagadores de impostos, trabalhadores
ou gente para cuidar dos velhos”, reflete o demógrafo Gu Baocheng, da
Universidade do Povo, de Pequim.
“Há que se
considerar também a ineficiência da mão de obra no país. Se você vai a um
restaurante relativamente grande, há muitas meninas cujo trabalho é apenas
cumprimentar o freguês ao entrar. E muitos homens e mulheres se aposentam cerca
de cinco anos antes da idade indicada nos regulamentos. Isso não é também um
desperdício de mão de obra?”, questiona a socióloga Gui Xiehua, da Universidade
do Povo.
Pequenos
Imperadores
Há um entendimento comum de que a geração pós-1980, como é chamada na
China, é responsável por uma população de crianças mimadas e egoístas, máxima
que deu origem ao termo “pequenos imperadores”, como são chamados esses jovens.
Para testar
a realidade do conceito, um grupo de pesquisadores australianos conduziu um
estudo com 421 adultos, metade deles nascidos antes da política do filho único,
e a outra metade nascida após 1979. Através de testes de personalidade,
entrevistas e desafios econômicos, os resultados mostram que adultos nascidos
pós-1980 são mais egoístas, menos confiáveis, possuem menor habilidade social e
comunicativa e são menos dispostos a tomar iniciativas que veem como
arriscadas.
“Não acho
que o egoísmo dos jovens chineses seja relacionado apenas à politica do filho
único. Há muita gente que tem irmãos e é egoísta. É preciso também avaliar, no
caso da China, o ambiente econômico em que essas crianças nasceram”, diz Xie
Guihua. A socióloga acrescenta que a característica também pode não ser
definitiva, visto que o governo e a mídia chinesa mantêm um discurso mais
comunitário em detrimento do individualismo. “Essas pessoas podem mudar ao
crescer e se adaptar à sociedade”.
Discrepância
entre gêneros
É também decorrente da política do filho único a disparidade entre
homens e mulheres na China. Com um sistema social e de previdência quase
inexistente, a sociedade chinesa organizou-se sob um sistema em que os filhos
cuidam dos pais na velhice. Assim, cada filho tem a pressão econômica de prover
para seus pais quando adultos.
No caso das
mulheres, que casam e se tornam parte da família do esposo, a obrigação
aumenta, visto que ela é responsável pelos seus sogros, além dos próprios pais.
Esse sistema causou o aborto de milhares de bebês do sexo feminino,
especialmente nas zonas rurais, e, somado à política de filho único, levou a China
a ser um país velho e masculino. Em 2020, haverá na China 37 milhões de homens
solteiros, sem mulheres com quem casar.
“A falta de
apoio na velhice é, para mim, a pior consequência da política. Os jovens
chineses acabam tendo os pais como um fardo”, avalia Xie Guihua. A pressão
econômica aumenta na medida em que o mercado de trabalho está saturado e muitos
jovens graduados não conseguem empregos. Há ainda o crescimento da poupança
feita pela sociedade, que esfria o mercado interno. “Antes de pensarmos no fim
da política, deveríamos rever nosso sistema de previdência social e saúde”,
sugere a especialista. No maior asilo da capital, há uma lista de espera de 100
anos para um leito.
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Por Fernanda
Morena/Opera Mundi