Quando se fala em Ciência no
Brasil, a imagem que (ainda) vem à mente da maioria é de caras estranhos e
introspectivos usando impecáveis jalecos brancos e observando atentamente
alguns tubos de ensaio, engenhosamente suspensos por uma parafernália de
instrumentos. Fábio Gandour, cientista-chefe da IBM no Brasil, é exatamente o
oposto dessa imagem. Descolado e comunicativo, o médico (sim, formado em
Medicina), lembra mais a figura de um evangelista que tem como missão aproximar
a ciência das pessoas e mostrar que a tecnologia, em seu sentido mais amplo,
pode ajudar a transformar a realidade.
Ele ministrou uma palestra na
última semana no Sebrae/PB, intitulada "O que do amanhã já se pode saber
hoje". O evento integra as ações do Sebrae Paraíba na Semana Nacional de
Ciência e Tecnologia e lançou no Estado a 3ª Busines IT South America (BITS),
evento de tecnologia ligado à CeBIT, que acontecerá em Porto Alegre (RS) de 14
a 16 de maio de 2013. Como o evento foi pertinho da nossa redação, o
Administradores.com não poderia perder a oportunidade de entrevistá-lo.
"Nos últimos vinte anos,
minha missão tem sido de colocar a tecnologia para funcionar a serviço das
pessoas; cada um tem as suas necessidades tecnológicas", diz Gandour. E
foi a tecnologia quem ocupou todo o espaço durante a apresentação, servindo
como elo para debater desde inovação até demografia e sustentabilidade.
Um dado curioso se refere ao que
poderia ser chamado de "crise dos átomos". Todos nós estamos fartos
de conceitos "verdes" sobre consumo sustentável, sacolas plásticas e
afins. Mas, conforme lembra Gandour, o número de átomos no planeta é constante
e equivale a 10⁵⁰. "Se o número de pessoas continuar a crescer no ritmo de
hoje, em 2050 teremos uma população de 12 bilhões de habitantes. Precisamos ser
sustentáveis, porque caso o consumo per capita também se mantiver constante ou
aumentar, vão faltar átomos", simplifica. Veja abaixo a entrevista
completa.
Você
fala muito sobre ciência como negócio, mas também falou sobre ciência de
serviços. Esses conceitos são a mesma coisa? Qual a diferença entre eles?
Não, não. Ciência de serviços é uma ciência nova, tem 6 anos de vida.
Para uma ciência, ela é extremamente jovem, e ela procura criar conceitos com
fundamentação teórica para sustentar a evolução da prestação de serviços no
mundo todo. A ciência como negócio é uma criação minha. Eu percebi que a
evolução da ciência no mundo, desde o início da história do homem, empurrou a
prática científica na direção da academia, da universidade. Lá a ciência é
praticada com muita propriedade, foi com essa ciência acadêmica que os
horizontes do homem se ampliaram, o conhecimento humano cresceu. Mas essa
ciência acadêmica é uma ciência doutrinária; ela tem dogmas, ela tem liturgias,
ela tem credos. Esse modelo é muito bom, mas ele serve lá na academia. Nos
negócios, que têm de lidar com uma complexidade cada vez maior, eu preciso de
um outro tipo de ciência. Daí criamos esse conceito de ciência como negócio que
se beneficia da ciência como doutrina, usa tudo o que a ciência como doutrina
fez, mas tem objetivos um pouco diferentes. É o objetivo de fazer pesquisa
científica que produza resultados com impactos positivos nos negócios dos seus
financiadores. Essa é a ciência como negócio.
Como
a ciência doutrinária e a ciência como negócio vão conviver?
A ciência doutrinária vai continuar se desenvolvendo para expandir
aquilo que a gente chama de ciência pura. E todos os conceitos, todas as
descobertas, todas as conclusões que a ciência acadêmica fizer, a gente tá
pronto para aplicar, para fazer pesquisa aplicada dentro do modelo de ciência
como negócio. Então elas vão conviver muito bem.
Algumas
empresas grandes, multinacionais, têm recursos para financiar uma
infraestrutura própria de pesquisa e educação, elas criaram as próprias
faculdades. Isso já seria um princípio da ciência como negócio?
Eu acredito que sim, mas as empresas grandes têm condição de fazer
esse financiamento da sua atividade científica. As empresas médias e menores,
sabe o que elas têm que fazer? Elas têm que ir nas universidades onde existem
professores dispostos a desenvolver modelos de ciência aplicada. Tem muitas. Eu
tenho certeza que aqui na Paraíba devem existir, nas universidades, professores
que um dia fizeram ciência pura e hoje estão dispostos a desenvolver ciência
aplicada.
Você
afirma que o mundo pode passar por uma espécie de "crise dos átomos",
por conta do crescimento populacional e do consumo. Na sua opinião, como a
tecnologia pode ajudar a superar ou evitar essa crise?
Eu acho que a gente precisa usar a tecnologia como instrumento de
conscientização, que pode ser feita com ou sem tecnologia. O que eu estou
fazendo aqui, e deixando isso claro, é uma tarefa de evangelização, de
conscientização a respeito dos limites dos recursos que o planeta tem. Tenho
certeza que o povo saiu daqui hoje pensando nisso. Os recursos do planeta são
finitos, nós temos que usá-los com propriedade. Não vejo outra forma a não ser
essa. E a tecnologia ajuda a disseminar essa informação da melhor maneira
possível.
Você
falou que todos os objetos dotados de propriedades de estado, como luz, portas
e eletrodomésticos, serão todos conectados por uma rede como a Internet. Isso
já acontece? Em quanto tempo isso pode adquirir escala?
Depende do local. Mas nos centros de maior desenvolvimento, num
horizonte de três a cinco anos a gente vai começar a trombar com coisas que se
movimentam sozinhas, mesmo sem a gente dar ordem, que elas têm sensores, os
sensores detectam o estado conectados a um atuador e o atuador muda esse
estado.
Mas
o ser humano vai poder ser "controlado" dessa maneira também?
Essa é uma pergunta difícil. Eu espero que não, e faço tudo para que
isso não aconteça.
Fonte: Por Eber Freitas – www.administradores.com.br