O livro se concentra na cobertura política
oferecida pelo jornal Folha de S.Paulo e parte da divulgação da falsa ficha
"criminal" dos arquivos do Dops da militante da VAR-Palmares Dilma
Rousseff, então pré-candidata à Presidência da República, em 4 de abril de
2009.
Jakson Alencar faz um acompanhamento minucioso de
todo o caso, ao longo dos três meses seguintes, registrando a
"semirretratação" do jornal, em matéria antológica para o estudo da
ética jornalística, na qual se reconhece como erro "tratar como autêntica
uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser
assegurada – bem como não pode ser descartada" (p. 67).
Chama a atenção no episódio a "condução",
pela repórter da Folha, da entrevista – que mais parece um interrogatório –
realizada com Dilma. Há uma indisfarçável tentativa de comprovar a hipótese do
jornal de envolvimento da entrevistada não só com o sequestro (não realizado)
do então ministro Delfim Netto, mas também com a luta armada. A entrevista de
outro militante, Antonio Espinosa, usada como suporte à tese do jornal, jamais
foi publicada na íntegra, apesar de os trechos publicados haverem sido
reiteradamente desmentidos pelo entrevistado.
Jakson Alencar mostra, com riqueza de detalhes, o
comportamento arrogante do jornal, ao tempo em que a própria Dilma tratava de
comprovar a falsidade da ficha, além do descumprimento sistemático de seu
próprio Manual de Redação. Fica clara a "tese central de toda a
reportagem, segundo a qual a resistência à ditadura é criminosa, e não o regime
totalitário e violento, implantado de maneira ilegal" (p. 95) e, mais
ainda, que essa tese "continuou sendo difundida em muitos veículos da
imprensa brasileira durante todo o período da campanha eleitoral de 2010".
A segunda parte do livro trata do período da
campanha eleitoral, de abril a agosto de 2010. Aqui o ponto de partida é o 1º
Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, promovido pelo Instituto Millenium,
em março. Como se sabe, essa ONG é um dos think tanks da direita conservadora
brasileira, financiado, entre outros, pelos principais grupos da grande mídia.
Segundo Jakson Alencar, teria surgido nesse fórum a "Operação Tempestade
no Cerrado", que orientaria a cobertura política dos jornalões e teria
como objetivo impedir a eleição de Dilma Rousseff (p.105).
Concentrado na Folha de S.Paulo, o livro mostra o
esforço cotidiano para ressuscitar escândalos passados e a busca de novos
escândalos do governo do PT, além de tropeços e temas negativos relativos a
Dilma. Paralelamente, o tratamento leniente e omisso dispensado ao candidato do
PSDB.
Na terceira e última parte, o livro aborda a
Operação segundo turno e cobre o período que vai de 26 de agosto a 3 de
outubro. A partir do momento em que as pesquisas de intenção de voto confirmam
a tendência de eleição de Dilma, tem início "uma maciça ação da imprensa
contra a candidata às vésperas da eleição e uma chamada 'bala de prata', com o
intuito de alterar os rumos da campanha" (p. 145).
Destacam-se nesse período "acusações, ilações
e insinuações que viraram condenações sumárias" (p. 147), sobretudo o caso
do suposto "dossiê" preparado pelo PT sobre dirigentes tucanos, com
dados fiscais sigilosos, e o "escândalo" envolvendo a então
substituta de Dilma na Casa Civil (registro: o Tribunal Regional Federal da 1ª
Região arquivou o processo contra Erenice Guerra por suposto tráfico de
influência, depois de acatar recomendação do Ministério Público Federal e por
decisão do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal, em 20 de
julho de 2012).
Nas suas conclusões, Jakson Alencar afirma que
"a cobertura (da Folha de S. Paulo) (...) misturou frequentemente fatos
com opiniões e boatos, somando-se a isso outros elementos, como torcida,
manifestação de desejos travestidos de informação, argumentação frágil e com
pouca lógica, estratégias óbvias e já desgastadas pelo uso repetitivo em
diversas eleições, incapacidade de analisar processos econômico-sociais para
construir posicionamentos e críticas com um mínimo de sofisticação; teses e
hipóteses furadas; narrativas e entrevistas enviesadas; fontes de baixíssima
credibilidade" (p. 252).
Curiosamente (ou não?), na mesma época em que a
Paulus publicava o livro de Jakson Alencar, a PubliFolha lançava na Coleção
"Folha Explica" o livro sobre a própria Folha, escrito por Ana Estela
de Souza Pinto, ela mesma jornalista da casa desde 1988. Neste, o "erro"
do episódio da ficha falsa de Dilma no Dops merece registro em função do
"fato de a Folha ter voltado sua bateria investigativa para todos os
governantes, de diferentes partidos".
Segue-se um parágrafo que reproduz a
"retratação" que a Folha ofereceu, já citada, na qual, apesar de
todas as evidências em contrário, se afirma que a autenticidade da ficha do
Dops "não pode ser assegurada – bem como não pode ser descartada".
Nem uma única observação sobre a cobertura partidária das eleições de 2010.
O resultado de tudo isso, como se sabe, é que Dilma
Rousseff – apesar da grande mídia e do seu partidarismo – foi eleita presidenta
da República.
Por Venício Lima – www.brasil247.com.br