Caros leitores, passada a fase dos festejos de fim de ano,
proponho aterrissarmos no solo árido da realidade que nos cerca, onde a tríade
formada por desafios, percalços e, claro, oportunidades nos espera ávida por
colocar em cheque a nossa capacidade de lidar com sua complexidade.
Lamento que esta abertura seja pouco, digamos, auspiciosa, com
pétalas cintilantes de otimismo e frases feitas em eventos corporativos típicos
(os que me conhecem sabem que não é esse o meu estilo). O fato é que o triunfo
pertence aos sonhadores, é verdade, mas somente para aqueles que colocam a mão
na massa, com prioridade aos que encaram a realidade com destemor.
Tratando
o Custo Brasil
Então, sem temor, dó e nem piedade, abordo desta vez
o famoso Custo Brasil, tema que reputo como um dos mais complexos, espinhosos e
ariscados do universo econômico brasileiro. Um verdadeiro Triângulo das
Bermudas para articulistas que, como eu, estão sempre correndo o risco de,
induzidos pelas generalidades reinantes, cair no barranco das platitudes e
obviedades tão comuns em algumas narrativas ditas “especializadas”.
Coloco desta forma, pois o Custo Brasil é um hóspede tão antigo
e conhecido que de indesejável vem se transformando em figura quase folclórica,
daquelas que com o tempo não podem mais deixar de existir, pois alimentam o
riso (deprimente) do dia a dia e, porque não, eventualmente ajudam a explicar
ineficiências inexplicáveis.
Mas antes de nos aprofundarmos, e já conhecedor do tom crítico
com que colocarei as próximas linhas, faço aqui a ressalva às exceções de toda
ordem, tanto no universo público/institucional como no privado, onde se observa
o culto da eficiência, o apego à boa gestão, o triunfo da capacidade e do
mérito. Não se trata de firulas, mas de justiça.
Uma
outra forma de ver o Custo Brasil
Deixando de lado as exceções, convido-o a dirigir
atenção ao que não dá certo neste amado Brasil varonil. E inicio com uma
importante calibragem do senso comum.
O ponto central é que o costumeiro olhar sobre o Custo Brasil,
onde se enxerga a escassez de infraestrutura, o complexo e avassalador modelo
tributário, o déficit educacional com impacto direto na falta de mão de obra
especializada, a insegurança e desfuncionalidade do sistema jurídico e a
aberrante burocracia como os únicos elementos da composição desse ser tão pouco
estranho, invariavelmente nos traz um panorama incompleto, e por conta disso
injusto.
Existem outros componentes igualmente importantes, e que em
alguns casos possuem um princípio ativo econômico com alta capacidade de
potencialização dos elementos comumente citados. E, por mais difícil que seja
admitir, residem não no universo público e suas instituições (como também
costumeiramente se coloca), mas no mundo privado, incluindo a sociedade como um
todo e seu comportamento ativado por nossa raiz cultural.
Assim, é importante destacar que a nossa atávica passividade, o
nosso senso enraizado de não participação política/institucional, o otimismo
que ecoamos tão facilmente diante de um ou outro ano bom, juntamente com a
fragilização crescente do senso crítico muito contribuem para manter o hóspede
a que nos referimos alimentado, e confortavelmente instalado. O Custo Brasil.
As
empresas também contribuem para o Custo Brasil
A participação privada não para por ai. Na esfera
microeconômica reside (ressalvadas as honrosas exceções) a insistente cultura
da imprecisão, do não aprofundamento, do desapego com patamares essenciais de
organização e eficiência, embalados por uma cultura de gestão que se
infantiliza com o tempo, sempre pautada por modismos de última hora, com seus
gurus tão imponentes quanto inoperantes.
Neste contexto, existe ainda o recente apego obsessivo ao
politicamente correto corporativo, que dilui o senso de realidade e
enfrentamento necessários para a sobrevivência empresarial.
Quem não conhece o caso típico da empresa que implementa um
programa de responsabilidade social de primeira linha, mas ainda não é capaz de
se preparar para se submeter a uma auditoria de primeira linha? O velho teorema
onde “parecer” é mais importante do que de fato, ser.
Atitudes que não reconhecem limites e muito fazem para piorar o
chamado Custo Brasil. Veja você que há “caça talentos” que recomendam aos seus
clientes contratar para cargos de liderança pessoas que gostam de Rock,
afirmando que o gosto ao gênero musical é indicativo da capacidade de
liderança.
Também vi por ai que é preciso usar mais o “abraço corporativo”
como forma de diluir tensões (que às vezes precisam existir). E que tal a
conclusão de que candidatos que se divertem frequentemente em joguinhos
eletrônicos são dotados de maior capacidade para resolver problemas?
Você já tinha pensado no Custo Brasil de forma mais abrangente,
saindo das discussões e responsabilidades apenas dos governos? Já está mais do
que na hora de conversarmos com o “hóspede” sobre seu “despejo”, mas antes uma
autocrítica vai muito bem.
Por Gustavo Chierighini - Dinheirama