Os objetivos da China estão mais
focados em desenvolver o consumo doméstico e tornar-se menos dependente das
exportações líquidas.
Em entrevista concedida à revista KPMG
Business Magazine 26, Peter Fung, líder global da Prática Chinesa da KPMG,
analisa as orientações do novo governo chinês. Ele também explica como o Brasil
pode aproveitar as oportunidades resultantes dessas mudanças.
Business Magazine - De que forma a crise dos países da zona do
euro tem afetado a China?
Peter
Fung - O impacto é visível principalmente nas exportações líquidas e
no volume de investimentos estrangeiros diretos (IED) na China. Nas três
últimas décadas, o IED na China cresceu exponencialmente, atingindo o ponto
máximo de US$ 116 bilhões em grande parte provenientes da Europa. Com a crise,
os investimentos estrangeiros diretos na China caíram para US$ 83,4 bilhões no
terceiro trimestre de 2012. Ou 3,8% em relação aos US$ 86,7 bilhões de igual
período de 2011. A participação europeia nesse montante caiu 6,3%.
Outro impacto foi sentido nas
exportações líquidas. A China ainda é líder em produção e exportação,
principalmente para a Europa. Contudo, diversos países compradores cortaram
seus gastos com importações chinesas. Com isso, as exportações líquidas da
China foram severamente impactadas. No terceiro trimestre de 2012, as vendas
chinesas para a União Europeia caíram 17%, passando de US$ 108,2 bilhões para
US$ 89,9 bilhões, em comparação com o mesmo período do ano passado.
BM - De que forma a China tenta reverter essa situação?
PF
-
Para a China, a reforma econômica significa mudar a partir de dentro do país. A
estrutura que dita como a China cresce e de onde é obtido o crescimento irá
conduzir, no final, a uma maior sustentabilidade econômica. O mercado
consumidor terá a função mais importante no direcionamento do desenvolvimento
econômico chinês; o desenvolvimento adicional da classe média chinesa é um
aspecto imperativo na direção da obtenção do crescimento sustentável de longo
prazo. O governo também enfatiza o aspecto de gastar relativamente menos em
investimentos de larga escala. Já com relação a importações de commodities,
como o minério de ferro do Brasil, os gastos devem crescer a um ritmo menor.
Entretanto, uma economia chinesa mais equilibrada e mais saudável será capaz de
garantir maior sustentabilidade no longo prazo.
BM - Como essa reforma poderá impactar a relação comercial da
China com o Brasil?
PF - Em
curto prazo, o governo chinês irá assumir uma postura mais baseada em
incentivos. Espera-se que mais projetos de investimentos em infraestrutura e
indústrias pesadas serão aprovados para apoiar o crescimento econômico. Os
fornecedores brasileiros de commodities provavelmente serão beneficiados por
essa política.
A China vai realizar, ainda, uma
reforma na distribuição de renda, com eixo no aumento dos salários, o que
também deverá elevar o poder de compra, bem como as importações. Com o aumento
da renda, a população chinesa poderá viajar mais. E, provavelmente, o Brasil
será um dos destinos mais procurados pelos turistas chineses, principalmente
tendo em vista a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
Os produtos manufaturados brasileiros
poderão também se tornar uma parte relevante das exportações para a China.
BM - Quais mudanças prováveis veremos no comércio entre os dois
países?
PF
-
O comércio bilateral continuará centrado na forte demanda da China por
commodities. O Brasil é um poderoso fornecedor de commodities e a China é um
dos maiores consumidores mundiais. A China tem sido a maior parceira comercial
do Brasil e também o principal destino para suas exportações. Embora a economia
chinesa tenha dado sinais moderados de desaceleração, a demanda crescente por
commodities será sustentada devido à grande população e às políticas de
estímulo ao consumo. Consequentemente, é correto assumir que o Brasil
continuará sendo um fornecedor-chave para a China. E que o país manterá o seu
excedente comercial atual com a China.
BM - Qual é a sua análise sobre o fluxo de investimentos entre
ambos os países?
Assim, o Brasil tem aproveitado os
fluxos de investimentos razoavelmente grandes da China, que também tem
aproveitado os crescentes recursos naturais do Brasil. Em 2011, os
investimentos diretos da China responderam por 7% do IED total no Brasil,
enquanto a China recebeu menos de 1% do investimento total do Brasil no
exterior.
Consequentemente, é correto assumir
que ambos os países podem beneficiar o investimento e o comércio estrangeiros.
E que as oportunidades de investimento de capital continuarão a propiciar
vantagens distintas para o desenvolvimento de ambos os países.
BM - Quais foram as oportunidades criadas até aqui?
PF - Por
exemplo, o Brasil adotou medidas para estimular o investimento em
infraestrutura, assim como em compras governamentais para combater a
desaceleração econômica. As empresas chinesas podem levar recursos, tecnologia
e experiência para o Brasil, principalmente para a construção de rodovias,
ferrovias, portos e aeroportos.
Os planos para as compras
governamentais brasileiras darão prioridade a produtos fabricados localmente, o
que, por sua vez, fará com que as empresas chinesas acelerem os seus
investimentos no país para a construção de plantas industriais.
A China, por sua vez, busca garantir o
suprimento de energia e recursos naturais. Setores como os de metais e
minérios, petróleo e gás natural, produtos agrícolas, florestais e de papel são
áreas de investimentos atraentes para a China. O forte mercado de consumo do
Brasil também apresenta um imenso potencial para as empresas chinesas, em
diversos segmentos, como a indústria automotiva e de autopeças,
eletrodomésticos, aparelhos celulares, smartphones e serviços de banda larga.
As empresas chinesas também mantêm um
grande interesse no setor de infraestrutura brasileira, que exibe um forte
crescimento. Essas áreas incluem redes de transmissão de energia, equipamentos
e máquinas industriais, além da engenharia civil.
BM - E quais as oportunidades para os brasileiros que desejam
investir na China?
PF - As
áreas promissoras para o capital brasileiro são as de biocombustíveis, energias
renováveis, indústria aérea e aviação. O plano de cooperação de dez anos
assinado entre o Brasil e China, em 2012, no Rio de Janeiro, identifica
áreas-chave de cooperação que incluem alta tecnologia, exploração espacial,
mineração, infraestrutura e transportes. Os empresários brasileiros também
podem investir nas áreas de interesse do Plano Quinquenal da China, que inclui
agricultura, nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e
comunicação, indústria cultural criativa, engenharia oceânica, petróleo e gás
natural e novas fontes de energia (especialmente recursos renováveis).
BM - Qual é o melhor modelo de negócio para cada setor?
PF - Em
2010, entre todos os tipos de IED na China, mais de 76% dos investimentos se
destinaram ao estabelecimento de empresas de capital 100% estrangeiro e 21%
foram para joint ventures com companhias chinesas. Os investimentos brasileiros
focaram, principalmente, em agricultura, fabricação e recursos naturais. Os
investimentos na área de recursos naturais adotaram, normalmente, um modelo de
cooperativa nos três estágios relacionados à exploração, ao desenvolvimento, e
à produção.
Na agricultura, há normalmente três
modelos principais de operações usados por empresas estrangeiras: joint
venture, equivalência dejoint venture, que é uma forma diferente de associação
com parceiros locais, e empresa de capital 100% estrangeiro.
Em áreas de alta tecnologia, como
nanotecnologia e biotecnologia, as empresas brasileiras, em cooperação com
companhias chinesas, podem escolher cofinanciar centros de pesquisa e
desenvolvimento, bem como centros de aprendizado contínuo para acordos de
cooperação tecnológica de longo prazo e um intercâmbio de experiências.
Por Administradores, KPMG Business Magazine,
Fonte: WWW.administradores.com.br