sábado, 20 de novembro de 2010

Rumo ao interior: trem-bala e o eixo Rio-Campinas

No próximo dia 29 – a 30 dias do fim do governo – deve ocorrer a maior licitação da Era Lula: 33 bilhões de reais é o preço mínimo da licitação do trem-bala entre Rio e São Paulo.

Eu disse entre Rio e São Paulo? Esse é um erro comum. Mas a verdade é outra: no projeto do moderno trem, São Paulo é “apenas” passagem. O velho eixo Rio/SP já não dá conta da diversidade do Brasil. É simbólico que o traçado do novo trem seja Rio-Campinas, com paradas no Vale do Paraíba e na capital paulista.

Símbolo, eu diria, de um país que avança para o interior. Durante 4 séculos, incluindo os trezentos anos de colonização portuguesa, as principais cidades brasileiras ficavam – todas elas – na nossa imensa costa atlântica. Só no limiar do século XX é que o Brasil – já republicano – veria sua primeira metrópole longe (mas nem tão longe) do litoral: São Paulo. Depois, viriam Belo Horizonte e – graças ao planejamento dos anos JK – Brasília. Durante a ditadura, nova metrópole longe do litoral: Manaus, cidade encravada no meio da Floresta Amazônica. Até hoje me surpreendo quando chego de avião à capital amazonense. É espantoso ver a dimensão daquela cidade (cheia de problemas, diga-se) que os brasileiros foram capazes de construir.

O traçado do trem-bala é o reconhecimento desse Brasil que caminha – a passos lentos, mas sem retorno - para o interior. O trem ajuda a estruturar e a ampliar esse eixo que já foi Rio - SP, mas hoje avançou cem quilômetros rumo ao interior paulista.

Um eixo que terá, numa das pontas, o atrativo do turismo carioca e da fortíssima indústria do petróleo (a restaurar, espera-se, o vigor da economia fluminense). E, na outra ponta, o agronegócio, a indústria e os centros de inovação do interior paulista (Campinas, lembremos, é polo de conhecimento e inovação – com a Unicamp).

Por fim, é bom não esquecer, o Vale do Paraíba, onde o trem deve parar, é sede da indústria de aviação brasileira (e também um território de inovação e conhecimento, com o ITA).

Simbólico que o trem passe por uma área que já foi tomada pelos cafezais no século XIX. Os morros vale-paraibanos sem vegetação (a mata foi derrubada pra ceder lugar ao café) são testemunho daquela época. Sobraram os pastos e algumas belas fazendas – históricas – que vale a pena conhecer, tanto do lado fluminense como do lado paulista.

Dali partia o café que sustentou a República Velha e que forneceria os capitais para a incipiente industrialização paulista no entre - guerras do século XX. Agora, esse pode ser o eixo da nova economia do século XXI.

E a capital paulista? Virou passagem. Cidade de serviços (mais do que indústria) São Paulo vai mediar os contatos entre Rio e Campinas. São Paulo seguirá importante. Mas é simbólico – também – que o projeto do trem-bala Rio-Campinas seja obra de um governo (de Dilma) que deve ser o primeiro em 16 anos a afastar a centralidade paulista do poder.

Leio que esse ramal do trem-bala (que pode ser construído por coreanos – seriam os favoritos pra vencer a concorrência) seria apenas o primeiro. Serviria, no futuro próximo, como espinha dorsal para outros trechos a unir Brasília e Belo Horizonte: uma poderosa rede ferroviária do século XXI.

Desde a liquidação da RFFSA, o transporte por trens no Brasil concentrou-se no setor de carga. A malha serve, basicamente, como escoadouro para exportações.

O trem-bala põe os brasileiros de volta nos trilhos. Dinheiro e incentivos públicos serão necessários – reclamam os puristas da iniciativa privada. Ah, é? E qual foi o projeto importante no Brasil que prescindiu da mão forte do Estado?

Sem a indução estatal, não haveria indústria pesada, não haveria Petrobrás, não haveria Brasília, Manaus.

O trem-bala pode ser a marca de um Brasil que avance para o interior não apenas pra abrir novas fronteiras agrícolas a serviço do agronegócio exportador. Não. Pode ser o eixo de um novo ciclo de desenvolvimento onde caiba inovação, tecnologia, serviços, indústria de ponta. Tudo isso com mais Educação, e salários melhores.

O Brasil não deve se contentar com o papel de “fazenda” a alimentar europeus e chineses. Sem abrir mão da riqueza agrícola, é possível construir agora um país múltiplo: com petróleo, etanol, ferro, carros, navios, aviões, chips e computadores.

Pela primeira vez, desde que me entendo por gente, olho pra frente e não vejo “crise” e “medo”. Mas esperança de um país melhor.

Partes do Nordeste, do Norte amazônico e do sul brasileiros podem (devem!) também criar seus polos de inovação.

Um desafio e tanto! E o mais interessante: é possível fazer tudo isso sem “Estado Novo”. Sem milicos nem “Brasil Grande”. Com democracia e liberdade.
Por Rodrigo Viana

Fonte: http://www.rodrigovianna.com.br/