quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Mobilidade: o que fazer para alcançá-la plenamente

Os minutos passam rapidamente enquanto o carro continua praticamente parado. Heloísa, a caminho do trabalho, resolve conferir o relógio, que já mostra que não há o que fazer: o atraso é certo. A ansiedade e o estresse, então, crescem nela e nos motoristas enfileirados na avenida que buzinam ininterruptamente tentando, em vão, se espremer entre as faixas congestionadas da pista. Depois de muito tempo em meio a barulho e confusão, Heloísa chega ao seu destino aliviada, mas com a certeza de que amanhã seu trajeto diário continuará mais longo e mais desgastante do que deveria ser.

A situação acima vivida por Heloísa é muito semelhante ao dia a dia de grande parte da população, constituída por motoristas, passageiros e pedestres, principalmente na zona urbana. As causas disso são a grande quantidade de veículos, o desrespeito no trânsito e a estrutura insuficiente em vias, calçadas e no transporte público, que são problemas que vêm afetando a mobilidade urbana.

Tema atual e recorrente em pesquisas, a melhoria da mobilidade no trânsito é um fator de fundamental importância para o bem-estar populacional. Sem atitudes que visem o desbloqueio de calçadas e o desafogamento do trânsito, tomando como exemplo ações que restrinjam o transporte individual, a mobilidade nas cidades brasileiras só tende a piorar. "Não conseguiremos avançar muito mais no modelo que temos hoje: incentivo do transporte individual, à velocidade e à falta de cidadania. Isso é, de fato, um conceito fadado ao fracasso", afirma Maria Amélia, especialista em Gestão de Trânsito e Mobilidade Urbana e gerente de Marketing e Comunicação Corporativa da Perkons.

Buscando entender o atual panorama da mobilidade brasileira, identificar as consequências dela em nosso dia a dia e as alternativas viáveis para melhorar a situação, o portal Administradores preparou a série especial Caminhos do Brasil.

Abrindo os caminhos: um panorama da mobilidade no Brasil
Quando o homem só sabia coletar, caçar e pescar, desenvolver rotas que garantissem sempre bons resultados nessas empreitadas era, literalmente, questão de vida ou morte. Mais tarde, aprendemos a cultivar e comercializar excedentes, inclusive em pontos muito distantes, o que nos levou a construir as grandes estradas. Para atravessarmos os mares, surgiram as naus e caravelas. Para irmos mais rápido em terra, os trens, os bondes, os carros, as motos. Pelos ares, os dirigíveis, os aviões.

Independente da época, desenvolvimento econômico e capacidade de mobilidade das populações são fatores que sempre se mantiveram intimamente relacionados ao longo de toda a história. Por exemplo, foi por terem saído na frente na corrida naval que Portugal e Espanha conquistaram boa parte do mundo e estabeleceram entrepostos comerciais estratégicos que lhes renderam o status de maiores potências econômicas do planeta durante o século XV. Na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, a chamada Revolução Industrial, teve boa parte de seu sucesso à gigantesca malha ferroviária construída no país.

No Brasil, a relação tem a mesma importância, o que nos impõe um desafio gigantesco: interligar cidades encurtando nossas longas distâncias. A tarefa não é fácil, quando lembramos que de Oiapoque/AP (extremo norte do país) a Arroio Chuí/RS (extremo sul) são mais de 4.000 km. Mas não é impossível.

Rodovias
Em termos quantitativos, a malha rodoviária brasileira não deixa a desejar. Até porque a opção histórica pelas estradas obrigou o país a, literalmente, abrir caminhos por onde pudessem passar carros e caminhões. Segundo dados do governo federal, temos 1,355 milhões de quilômetros de rodovias, por onde passam 56% de todas as cargas do país. Boa parte dessas rodovias, entretanto, encontra-se atualmente em péssimas condições, com 30% delas bastante danificadas e apenas 140 mil quilômetros pavimentados.

Diante da extensão da malha rodoviária brasileira, uma alternativa pela qual estados e o governo federal têm optado é a concessão de trechos. De acordo com a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR, o país tem pouco mais de 15 mil km de estradas administradas por 55 concessionárias.

A extensão administrada por esse modelo ainda é pequena, se comparada ao total do país. Mesmo assim, com suas 283 praças de pedágio (Segundo a ABCR), os trechos são alvos de críticas. Em Osasco/SP, por exemplo, população e parlamentares têm reclamado de mau planejamento, que seria responsável por um aumento no fluxo de veículos dentro da cidade por conta dos pontos de cobranças posicionados nas estradas que a cercam.

"O estado instala pedágios no Rodoanel, na Anhanguera e na Castello, jogando todo o trânsito pesado para dentro da nossa cidade", reclama o vereador de Osasco Valmir Prascidelli (PT).

O governador Geraldo Alckmin, entretanto, defende o modelo. "A concessão feita em São Paulo é bem sucedida. Ele permitiu grandes investimentos. Como é que o estado conseguiria fazer a nova pista da (rodovia) Imigrantes? Ela foi feita sem um centavo de dinheiro público", disse em sabatina a jornalista.

Trilhos
As ferrovias, historicamente relegadas a segundo plano nos programas nacionais de mobilidade, hoje são – em sua maioria – obsoletas e se restringem, basicamente, ao transporte de cargas, sendo utilizadas para transportes de passageiros em apenas algumas regiões e em trechos curtos. Hoje a malha tem pouco mais de 30 mil quilômetros, operados por consórcios privados e, em algumas áreas urbanas, pela estatal CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos.

Hoje, a maior aposta nesse campo é a construção da ferrovia Transnordestina, obra que já está em andamento e deve interligar os portos de Suape (Pernambuco) e Pecém (Ceará), cortando o Nordeste com duas frentes. A previsão é de que empresas de médio e grande porte se instalem nas regiões por onde os 1.728 km da linha férrea passarão, gerando emprego e renda. O grande objetivo do empreendimento, entretanto, é reduzir os custos de transporte da produção nordestina.

No céu
O transporte aéreo, por sua vez, tem vivido uma fase de ascensão e boas perspectivas, com a ampliação de aeroportos e a expansão das rotas para o interior do país. A pequena Azul Linhas Aéreas, por exemplo, que tem apostado em terminais alternativos, atingiu a marca de 15 milhões de clientes transportados em apenas três anos de operação. A TAM, maior companhia do país, obteve um lucro operacional de 197,5 milhões em 2011, uma elevação de 36,5% em relação ao ano anterior, que demonstra a consolidação do setor.

De olho na Copa e para evitar colapsos como o do apagão aéreo de 2006, o governo Dilma decidiu privatizar a operacionalização de importantes aeroportos do país, concedendo-a por tempo determinado. A decisão, entretanto, apontada como a solução mais viável para o país no curto prazo, foi criticada pela Lata, organização que reúne as 280 maiores aéreas do mundo. O temor é de que haja alta nas taxas cobradas e, consequentemente, aumento nos preços de passagens. "Mesmo considerando que uma quantidade substancial de recursos pode ser atingida por meio de melhorias na eficiência dos aeroportos, em especial em Guarulhos, é difícil conciliar o montante pago com o potencial de receita", diz comunicado da entidade. O projeto de concessão, no entanto, não prevê aumento de taxas.

Nas ruas
O grande calo do Brasil está dentro das cidades. Caro, o transporte urbano responde atualmente, em média, por 19,6% do orçamento das famílias brasileiras, perdendo apenas para habitação e alimentação.

O transporte público ainda é frágil, considerado ruim ou muito ruim por 41% da população das cidades com mais de 100 mil habitantes, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea. Com uma infraestrutura que privilegia os veículos pessoais, o modelo brasileiro vive sob a constante ameaça de colapso, com muitos carros nas ruas, ônibus que não atendem a todas as necessidades e linhas de metrô insuficientes.

Para se ter uma ideia, na cidade do Porto, em Portugal, que tem pouco mais de 200 mil habitantes, a população tem à disposição um sistema integrado de ônibus, bondes elétricos e metrô por um custo relativamente baixo, mesmo o país vivendo uma de suas piores crises econômicas.

Uma assinatura mensal que dá livre acesso em ônibus e metrô na zona principal do Porto pode ser adquirida hoje por 30 euros, o que equivale a 5,4% do salário mínimo do país (554 euros). Em João Pessoa/PB, não há assinatura mensal para o sistema de ônibus (único modelo de transporte coletivo público existente na cidade). Mas, considerando que um trabalhador utilize duas passagens diariamente – para se deslocar de casa para o trabalho e do trabalho para casa – trabalhando 21 dias do mês, sua despesa será de R$ 96,80, o que corresponde as 15,56% do salário mínimo brasileiro atual, de R$ 622,00.

Sancionado em janeiro, o Plano Nacional de Mobilidade Urbana pretende suprir os déficits da infraestrutura brasileira no setor, procurando melhorar a qualidade do serviço prestado e reduzir os custos. Entre seus principais pontos estão a garantia de recursos para obras de viabilização do trânsito e a fixação de subsídios para as tarifas de transporte público.

Fonte: Por Eber Freitas, Fábio Bandeira, Mayara Emmily e Simão Mairins/ Arte: Thiago Castor, www.administradores.com.br