segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Oriente Médio - Diante de uma nova guerra

Adoro os desfiles de carnaval mas o assunto real do momento é muito sério e grave para ficar na folia. Estou falando da nova ameaça de guerra no Oriente Médio. Com argumento de que o Irã não pode construir uma usina nuclear subterrânea, que tornaria seu arsenal atômico imune aos ataques de Israel, o governo de Tel Aviv Voz pressiona os Estados Unidos para realizar um ataque nos próximos meses.

O prazo seria o verão do hemisfério Norte, que começa em julho e termina em setembro. Politicamente, seria uma forma de chantagear Barack Obama, em plena campanha eleitoral, onde é acusado pelos republicanos de ser um presidente fraco.

A maioria dos analistas acredita que, se Israel tomar uma iniciativa neste momento, Obama terá dificuldades de recusar apoio a Tel Aviv.

A razão não é humanitária mas eleitoral. Num país onde as contribuições privadas de campanha são as mais liberais do planeta, os lobistas pró-Israel possuem uma organização eficaz e poderosa, com um poder de influencia superior aos sindicatos de trabalhadores e só superado pelos fabricantes de armas. Há décadas não se registra uma única votação, no Congresso americano, contrária aos interesses de Israel.

Uma década depois da desastrosa guerra do Iraque de George W. Bush, o plano é uma guerra contra o regime dos aiatolás. Faz sentido? Eu não acho.

A experiencia humana ensina que todos os povos tem direito à existência e a soberania. Quando estes direitos não são respeitados, temos a guerra e a barbárie.

Embora a situação seja grave, a reação pela paz é frágil, como se a maioria dos observadores já estivesse convencida de que uma guerra será inevitável. De vez em quando, aqui e ali, surgem apelos a favor de uma negociação em torno da paz.

Há dois anos, quando o governo do Brasil e da Turquia tentaram fazer um acordo com Teerã, estimulados, inicialmente, pela Casa Branca, a iniciativa foi tratada de modo folclorico por observadores alinhados com a política externa de Israel. Os críticos estavam errados, dizem alguns estudiosos.

Voz influente em circulos progressistas de Washington, o economista Mark Weisbrot lembrou em artigo publicado no início de janeiro que “em maio de 2010, quando o Brasil e a Turquia propuseram um acordo de troca de combustível nuclear do Irã, isso funcionou como um freio temporário da máquina de guerra. Precisamos de mais ajuda diplomática desse tipo.”

Em entrevista a Roberto Simon, publicada no Estadão de hoje, Anne-Marie Slaughter, que foi conselheira de Barack Obama, defende que Brasil e Turquia retomem as conversas com Teerã. Ela considera que o Brasil, que possui um programa nuclear com fins pacíficos, pode oferecer uma saída honrosa ao Irã.

A negociação pela paz tem um aspecto difícil. Implica em convencer o governo do Irã a abrir mão de armas nucleares — mas não exige o mesmo de Israel. É um complicador, pois equivale a pedir ao governo dos ayatolás que concorde em assumir uma posição subalterna frente a outro país.

Anne-Marie Slaughter tem razão ao lembrar o caráter pacífico do programa nuclear brasileiro. Mas é preciso entender a lição inteira.

Durante anos, o Brasil alimentou pesquisas nucleares que poderiam levar a construção de uma bomba. Do outro lado da fronteira, os argentinos faziam a mesma coisa. Hoje, não é mais assim.
Mas isso só foi possível porque brasileiros e argentinos fizeram um tratado comum, pelo qual Brasília e Buenos Aires se comprometiam a desmontar os respectivos arsenais, autorizavam inspeções mútuas e ofereciam todo tipo de garantia ao país vizinho. Não por acaso, esse acordo de paz fez parte das negociações que alimentaram o Mercosul, que reforçou a integração econômica e a cooperação entre os dois países.

Israel rejeita toda cláusula de reciprocidade, com o argumento de que não pode abrir mão do direito de se defender por todos os meios. É curioso, porque o governo do Irã pode, neste caso, falar a mesma coisa, concorda?

E aí, como fica a paz? Fica difícil. Seu preço consiste em obrigar o Irã a assumir uma posição humilhante, coisa que nenhum governante gosta de fazer — muito menos um regime que foi construído, há três décadas, como uma promessa de restaurar o orgulho nacional, corroído pela monarquia pró-ocidental do Xá Reza Pahlevi.

Essa situação ajuda a entender porque o programa nuclear é, talvez, a única causa que une situação e oposição entre os iranianos. Isso quer dizer que mesmo que seja possível derrubar o governo de Mahmoud Ahmadinejad pela força das armas, seus sucessores dificilmente terão disposição para realizar a política que israelenses e americanos desejam.

Outro aspecto diz respeito às concessões que poderiam ser feitas ao Irã para convencê-lo a mudar de rumo, mesmo numa situação desfavorável. O recurso clássico seria negociar benefícios e concessões capazes de ajudar no desenvolvimento do país.

Mas não. Até agora, a única arma tem sido a aplicação de sanções, destinadas a sufocar a economia e a vida cotidiana dos cidadãos. Alguém acha que essa é uma boa forma de convencer o Irã à sentar-se à mesa e negociar?

Fonte: Paulo Moreira Leite http://colunas.revistaepoca.globo.com/