segunda-feira, 21 de maio de 2012

‘‘Optar por crescer menos não significa abrir mão de progredir”


José Eli da Veiga, professor da FEA-USP e especialista em desenvolvimento sustentável, acredita que o futuro das nações depende do abandono do modelo de crescimento econômico a qualquer custo.

O mundo ainda não convivia com as ameaças do aquecimento global e o professor José Eli da Veiga, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), em São Paulo, que é agrônomo e economista, já se empenhava na discussão sobre uma economia mais parceira do meio ambiente. Ele criou o Núcleo de Economia Socioambiental da universidade e escreveu 13 livros sobre o tema. José Eli insiste no caminho do meio, aquele que leva em conta o desenvolvimento de um país baseado em modelos que não ponham em risco os recursos naturais.
Globo Rural >>> Foi tempo perdido a reunião dos líderes na COP15 (a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, realizada em dezembro em Copenhague, na Dinamarca), para traçar metas que combatam as mudanças climáticas? 
José Eli da Veiga >>> Foi um desastre. No começo, havia um sentimento de otimismo, quando países poluidores como China e Índia sinalizaram uma possível negociação. Mas as expectativas não se consolidaram, em parte, porque os países reunidos, em especial os que compõem o G20 e que são responsáveis por 70% das emissões de gases do efeito estufa na atmosfera, não tinham uma concordância prévia. E isso colaborou para o resultado pífio. Além do mais, o Protocolo de Kyoto (acordo assinado no Japão, em 1997, que propôs que países industrializados reduzissem suas emissões em 5,2% entre 2008 e 2012) dividiu o mundo em nações desenvolvidas e o resto, uma classificação que não condiz com a realidade. Existem os chamados países emergentes, de desenvolvimento médio, como China e Índia, e outros do Oriente Médio, que poluem muito. Kyoto os protegeu. Por isso, eles não querem abrir mão desse amparo nem aceitar metas de redução.
GR >>> O Brasil poderia ter exercido um papel melhor na COP15?
José Eli >>>
 O país ficou numa boa posição, porque levou metas definidas (redução de 80% do desmatamento na Amazônia até 2020) e talvez tenha papel de liderança para quem possui problemas semelhantes na reunião do México, no final de 2010. O problema do Brasil é daqui uma década, pois o grosso das emissões virá da agropecuária, das termelétricas e dos transportes. Se o país não fizer investimentos significaticos em ciência e tecnologia para permitir uma superação da era fóssil, aí sim nós vamos estar perdidos. Infelizmente, sinto que o Brasil não está consciente disso. E a corrida tecnológica em busca de energias limpas faz com que os países se movimentem de acordo com a esperança de dominá-las no futuro.
GR >>> A importância ambiental para o futuro da humanidade ainda não foi assimilada no mundo?
José Eli >>>
 Se fizermos uma retrospectiva dos últimos 30 anos, essa questão veio ocupando um lugar importante na agenda. Mas é certo que ainda é uma minoria no mundo que põe a causa ambiental em primeiro lugar, que pensa na manutenção dos recursos naturais para as futuras gerações. A verdade é que a economia sempre passa na frente. Você nunca vai convencer um país de que ele tem de abrir mão do conforto material de sua população em nome da importância ambiental. Veja o caso da Índia, onde milhões de habitantes vivem sem eletricidade. Como você vai impedir que não se faça eletricidade com o carvão, a matriz energética deles?
GR >>> Em seu recente livro, Mundo em transe, o senhor ressalta que as empresas estão adiantadas na economia de baixo carbono. A agricultura é o patinho feio dessa história?
José Eli >>>
 Só se os agricultores quiserem. Existem produtores tecnificados, informados, e eles se deram conta de que precisam se antecipar nessa questão ambiental. Mas existe uma imensa maioria que não tem essa consciência. O desmatamento é o ponto crítico do Brasil. Um estudo do Banco Mundial, publicado no ano passado, mostra que a pecuária está vinculada à derrubada da madeira para a formação de pasto e depois para a entrada do gado. É errado falar "o madeireiro" e "o pecuarista", pois existe uma conexão entre eles. O grosso do desmatamento da Amazônia resultou em pasto. A madeira é efêmera, o corte é só uma vez, e a expectativa é implantar um setor - o de carnes - que dura gerações. Mas veja bem, não quero tachar a pecuária de vilã, porque ofenderia muitos produtores sérios e capazes, que seguem modelos opostos a esse exemplo. Só que a cobrança do comércio internacional está ficando cada vez mais forte. E esses pecuaristas que fazem um trabalho correto serão penalizados pela má imagem do Brasil lá fora.
GR >>> Qual é sua expectativa na área ambiental para os dois principais candidatos à Presidência da República?
José Eli >>>
 O papel da Dilma Rousseff é zero se eu pegar pelo histórico dela. A atuação da ministra foi terrível em Copenhague. O José Serra é mais pragmático, presta muita atenção à opinião pública e tem uma visão mais avançada que a Dilma. Basta lembrar que o governo dele sancionou uma lei ousada, em 2009, que prevê corte de CO2 em 20% no estado. Mas ambos pensam no PIB, no crescimento a qualquer custo. Só que optar por crescer menos não significa abrir mão de progredir.
GR >>> Como o senhor analisa a polêmica entre ambientalistas e ruralistas sobre as mudanças no Código Florestal?
José Eli >>>
 Eu acho que seria muito importante pressionar por uma discussão aberta sobre esse problema do zoneamento ecológico econômico. Se ela avançasse, 80% da questão estaria resolvida. Existem diferenças entre os agricultores do interior de Santa Catarina que se estabeleceram lá na época da imigração e os estados novos, como Mato Grosso do Sul. Por isso, sou favorável a uma revisão das áreas de preservação, de plantio. Não dá para fechar questão e não querer mexer em nada.
Fonte: Por Assis Ribeiro - De Globo Rural - blog do nassif