sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Financiamento público de campanha é bom?


Agora que as eleições terminaram, o julgamento da Ação Penal 470 (mensalão) está se encerrando e a CPI do Cachoeira foi deixada de lado, preparem-se porque a libido política agora se voltará para "financiamento público de campanha". 

Os políticos adoram a ideia: quem não quer tirar dos ombros a responsabilidade de arranjar fundos, cada vez maiores, além de prestar conta (de uma parte) deles? Os políticos e militantes de dos nanopartidos gostam ainda mais: não precisariam mais crescer para aparecer, já que a bolsa dos brasileiros estará aberta para todos. Os de esquerda acham uma delícia: não precisam mais esmolar junto aos donos do dinheiro privado, já que o dinheiro público é farto e, como se sabe, não tem dono nem faz falta.
Os moralistas (cataristas, xiitas e assemelhados) encontraram nisso a pedra filosofal: nunca mais haverá corrupção, pois a política e o capital privado, não tendo que se misturar na campanha, não teriam porque frequentar os mesmos ambientes durante o exercício dos mandatos.
Os argumentos parecem fortíssimos e arrastam multidões para uma unanimidade assustadora. Ciscam de lá, ciscam de cá, a base de todos os argumentos é a mesma: 1. Há corrupção por que o alto custo das campanhas obriga os políticos a contrair obrigações com o capital privado, que depois são pagas em favorecimentos; 2. O financiamento público de campanha evita essas relações indecorosas; 3. Logo, o financiamento público de campanha evita ou diminui a corrupção.
Os militantes e simpatizantes de partidos de esquerda gostam também de um argumento suplementar: 1. O alto custo de campanha prejudica os partidos pequenos e mais à esquerda, que têm maior dificuldade para conseguir fundos privados. 2. Esta assimetria na capacidade de arrecadação produz vantagens indevidas para os partidos grandes, os patrimonialistas e os de direita; 3. O financiamento público de campanha teria uma função democratizante, igualando as chances de todos os tipos de partido.
Já notei também um argumento contábil no mercado de opiniões, que complementa o primeiro: Custa muito mais aos cofres públicos a corrupção do que o financiamento público de campanha.
São falácias. 
1. Sim, o alto custo das campanhas produz relações indecorosas entre público e privado. Mas daí não segue que os políticos se deixam corromper para honrar obrigações estabelecidas em virtude do financiamento das campanhas. A expressão é feia, mas homens honrados honram compromissos; corruptos não correspondem exatamente à definição de honradez, não é?
2. Alguém precisaria provar que as autoridades públicas (políticos e funcionários públicos) se corrompem por causa de débitos e obrigações de campanha. Qual é a evidência disso? Parece-me mais lógico imaginar que autoridades públicas se corrompem quando podem obter vantagens, quando há ganhos envolvidos - não se corrompem para acertar dívidas passadas, mas para ter ganhos futuros. 
3. Autoridades se corrompem porque há fartas possibilidades de ganhos e há baixo risco de punição. Simples assim. Em qualquer democracia liberal séria, o que se faz é aumentar o risco de punição, por meios de maior transparência, mais instâncias de controle, melhores processos de controle, aumento das sanções. Em suma: aumentam-se exponencialmente os custos da corrupção. Aqui não: querem diminuir a tentação. É a lei do gato: gato gordo não rouba peixe, então engorda-se o gato para que ele não te roube. Lógica? Pelo menos nenhuma do tipo republicano.
4. O argumento central, em boca de políticos é na verdade uma chantagem patética. Soa assim: se vocês brasileiros não pagarem a minha campanha estão me forçando a ser corrupto. Ah tá. Nós, pessoas ordinárias, não poderemos usar um argumento desses que logo alguém dirá que há leis e punições neste país. Quanto à política, não, naturalizamos de tal maneira o comportamento fisiologista que achamos melhor engordar logo e gato do que em escaldá-lo para que aprenda. Eu falo. 
5. Alguns partidos não consegue grana privada? Ora, financiem as suas campanhas com a bolsa dos seus afiliados, aderentes, militantes e simpatizantes. Se não têm filiados e simpatizantes em número suficiente para sustentar a sua campanha, talvez vocês não mereçam ser um partido. Por que os brasileiros têm que sustentar campanhas de 30 partidos, quando mais da metade deles é sem base popular nem representatividade? Acho que esse deveria ser um primeiro teste para saber se um partido representa algo do que deveria representar - uma parte da sociedade: peçam doações de pessoas privadas, se não conseguirem, fechem a bodega. Não contem comigo para simpatia automática ao parasitismo político. Nem de esquerda. Grupos não merecem ser um partido porque têm ideias legais; serão de fato um partido quando tiverem adesão em volume suficiente para lhes dar cargos nas eleições e grana para as suas campanhas.
6. As campanhas já têm muito financiamento público. Os fundos partidários são dinheiro público. O horário da propaganda eleitoral é gratuito apenas para os partidos, mas eu e você o pagamos por meio da renúncia fiscal do Estado. Está pouco ainda? Façam um teste e troquem a palavra "Estado" e "público" por "brasileiros", por exemplo. E perguntem-se: vocês querem que os brasileiros paguem integralmente as campanhas políticas (de dois em dois anos) no Brasil ou preferem que usem esta grana para outras coisas? O dinheiro que iria para as campanhas não é sem dono e sem uso. Quando vai para as campanhas deixa de ir para a escola, segurança, habitação, ciência... E aí, topam?
Fonte: Wilson Gomes – blog do Nassif