sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Lincoln, Abolição e Mensalão


Sem iniciar este assunto com a clássica alusão à ética de resultados mencionada por Max Webber ou citar Nicolau Maquiavel, tão assertivo no afirmar que ao príncipe todos os meios estão justificados pela nobreza dos fins, certo é que a aprovação da emenda à constituição americana que aboliu a escravatura na mais festejada democracia do Planeta (refiro-me à Décima Terceira Emenda, de 1865), sob a presidência de Abraham Lincoln, deu-se em circunstâncias verdadeiramente peculiares.

Preocupado em manter a União, consolidando-a, além de construir uma grande nação para o futuro, enfrentava ele a feroz hostilidade da rural e escravocrata bancada oposicionista (Democratas) e assistia, com tristeza, algumas defecções no seu próprio partido, o Republicano.

Na Casa dos Representantes, portanto, o prognóstico era o mais sombrio: derrota inevitável, com a rejeição da emenda libertária e manutenção da monstruosa chaga do cativeiro negro.

Paralelamente a esse monumental esforço de construção social, o “Pai Abe” – assim o tratavam, carinhosamente, seus compatriotas --, formulador com voo de águia, que planejava para grandes distâncias e futuro remoto, vivia o terrível drama da guerra civil, separatista, a secessão.

Duas gigantescas batalhas, travadas em distintas arenas: a política e a militar (nesta, discutia, pessoalmente, estratégias de combate com o General Ulysses Grant).

Ambas as frentes mostravam-se bem do tamanho da grandeza de alma e de caráter do desafiado. O tema é agora oportuno, não apenas pela notabilidade da recente obra cinematográfica Lincoln, que permite a todo povo um imediato e fácil vislumbre dessa tragédia, fechada com a pistola Derringer, calibre 44, de John Wilkes Booth, que o assassinou no Teatro Ford, mas também pelas intrigantes coincidências com supostas cooptações de votos no Parlamento do Brasil, que resultaram na aprovação da Emenda da Reeleição (governo Fernando Henrique Cardoso) e também no mais recente e celebérrimo julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), denominado caso “mensalão”, cujo escopo seria a aprovação de reformas sociais de profundidade e de combate à desigualdade (governo Lula).

Na saga americana, o então Secretário de Estado de Lincoln, William Henry Seward (um híbrido de Chanceler e Chefe da Casa Civil), persuadido da obstinação presidencial quanto à causa abolicionista e da isonomia, e ciente da derrota iminente no parlamento, aconselhou-o a não se expor tanto na tarefa de conquistar votos parlamentares, missão delicada e que reputava erosiva à imagem do governante.

É que no colegiado-alvo havia de tudo, desde patriotas sinceros e honestos a reles interesseiros, aproveitadores, autocratas empedernidos, caracteres corrompidos e conservadores extremados.

Afinal, o parlamento é a projeção fiel da sociedade que o elege, não é mesmo? Daí a utilização do concurso habilidoso - mas não escrupuloso – de certo personagem de fora do governo, para a abordagem dos deputados americanos. Argumentos de persuasão? Todos foram usados.

Rigorosamente todos, sem exceção... Do oferecimento de cargos públicos a vantagens materiais mais tácteis, todos os empenhos, publicáveis ou não, foram feitos para aprovar a emenda que varreria o horror da escravidão do território americano. O cenário não é mesmo sugestivo e intrigante?

A emenda foi aprovada, a escravidão erradicada, para sempre, e a guerra de secessão, vencida, restando íntegra a unidade da Federação americana. Método de ação governamental passível de censura, mas eficaz, a se contrapor à necessária ética da governabilidade, nem sempre suficiente, tudo com vistas à consecução do objetivo de realizar o bem comum e preservar os superiores interesses da coletividade: eis aí um enorme dilema político posto aos que governam.

Submeta-se agora, em exercício de ficção, esse longo e intrincado processo que extinguiu a escravidão e a guerra separatista na nação americana - tal como lá foi realmente operado -, a julgamento criminal no Brasil de hoje. Seriam aqueles construtores da nação ianque também condenados como bandoleiros ou quadrilheiros comuns, salteadores e falsários (exatamente iguais àqueles que nas ruas rapinam por mera cupidez), como cá está a ocorrer?

Que juízo disso fariam os críticos assépticos, descompromissados das grandes responsabilidades das decisões coletivas, e os burocratas de gabinetes? E os - sempre implacáveis - acusadores profissionais, como veriam a questão da tramitação da Emenda 13 da Constituição Americana?

Nela veriam crimes de meios não importando os resultados alcançados? Optariam pela possibilidade de perdurar a escravidão, com suas abjetas consequências, a tudo se sobrepondo a exemplar condenação dos protagonistas envolvidos naquele processo legislativo? Cabe refletir.

Por JOSÉ ROBERTO BATOCHIO – WWW.brasil247.com.br