domingo, 18 de setembro de 2011
Barulho demais contra o aumento IPI "dos carros importados" II
Nos volantes da nação
Estou espantado com determinados argumentos que envolvem o debate sobre o aumento no IPI de automóveis importados que não tiverem 65% de produção nacional.
Parece que estamos numa simples discussão entre comerciantes e consumidores, entre gastar um pouco mais ali, perder um pouco mais ali.
Mas não é isso. O debate envolve — goste-se ou não dessa palavra — uma idéia de nação.
Não custa lembrar que o aumento do IPI diz respeito a automóveis acessíveis a poucos brasileiros. A medida atinge, segundo os importadores, menos de 5% do mercado.
Não chegamos, quero acreditar, no mundo do Tea Party, que pretende abolir os direitos democráticos e instalar o regime do mais forte numa terra de ninguém.
Ainda que seja um simples aumento de impostos, a medida envolve perguntas e opções que dizem respeito a manutenção do emprego, ao progresso tecnológico, as opções do país diante de uma crise muito mais feia do que se imaginava seis meses atrás. Será que nada disso tem importancia?
Quem condena o aumento do IPI deveria argumentar a partir daí. Seria melhor deixar tudo como está? Por que? Seria bom para quem?
Acho engraçado quando se ameaça o Brasil com ações na Organização Mundial do Comércio. E daí? Os países desenvolvidos estão sempre lá. Ora batem, ora apanham. Faz parte do jogo. Campeões do discurso das fronteiras abertas, os EUA são campeões de ações de seus parceiros, inconformados com práticas protecionistas. É preciso ser um bocado ingenuo para não encarar o fato de que a hipocrisia é um dos grandes combustíveis do comércio internacional.
Chego a rir da seriedade que se dá a acusação dos importadores de que lobistas da industria atuaram para pressionar o governo para baixar o decreto que eleva o IPI até o fim de 2012. Queriam que a industria agisse como?
É assim que se faz, em qualquer parte do mundo. Os lobistas de todos os lados estão aí, em todos os gabinetes, com argumentos e contra-argumentos, para defender os clientes. Funciona desse jeito.
Também é sintomático que ninguém pergunte aos importadores por que eles não consideram a possibilidade de segurar possíveis repasses nos preços para consolidar-se no mercado. Tem gente que deve achar que essa questão pode ser interpretada como falta de educação, não é mesmo?
O país não pode ficar na situação absurda de tratar a industria automobilística com neutralidade, como se sua saúde fosse indiferente ao destino dos brasileiros. Não pode ser comparada a uma loja de bugigangas, mesmo maravilhosas.
Não conheço país onde uma industria compete nas mesmas condições do que o comércio — a menos, claro, que suas autoridades considerem que a destruição dessa industria pode ser benefica para os interesses dos cidadãos.
Queiramos ou não, a industria automobilística faz parte de nossa história. Foi construída com subsídios, envolveu doações e até favores do Estado brasileiro que, ao longo de décadas, considerou que ela poderia cumprir um papel estruturante (você gosta da palavra?) em nosso desenvolvimento.
Eu acho até que o Estado foi generoso demais com as multinacionais instaladas aqui. Se tivesse tido uma atuação mais firme, cobrando contrapartidas melhores, talvez tivesse sido possível avançar na consolidação de uma produção autonoma e competitiva, como se fez na Coréia. Mas isso diz respeito a decisões tomadas há meio século, não na semana passada.
O debate em torno do IPI não pode ser tratado como uma questão de pagar um pouco mais ou um pouco menos por um carrão maravilhoso. Há mais do que o imenso prazer de apanhar o volante de um automóvel último tipo.
Texto de Paulo Moreira Leite
Fonte:http://colunas.epoca.globo.com/paulomoreiraleite/2011/09/17/