Nove meses depois da terceira derrota consecutiva nas urnas, a oposição permanece firme em sua estratégia pós-eleitoral: fingir que não se sabe qual a mensagem produzida pelo eleitor para tentar bloquear toda iniciativa do governo que não lhe interessa.
É do jogo democrático. Aquilo que se perde nas urnas tenta-se recuperar nos bastidores.Vale tentar. Só não vale se fazer bobo nem criar histeria.
Esse debate tem relevancia especial quando o governo Dilma dá sinais de que pretende levantar recursos para financiar a saúde pública, que podem incluir a criação de uma taxa semelhante à CPMF que foi exinta (por 1 voto) no Senado. O fim da CPMF foi única vitoria da oposição no segundo mandato de Lula.
Detalhe político: os principais líderes da votação foram incapazes de renovar seus mandatos nas urnas nas eleições seguintes. Que vexame, não?
Detalhe nos costumes: as investigações da Operação Castelo de Areia revelaram que se criou um esquema de verbas clandestinas para financiar a bancada que derrubou a CPMF. Foram milhões de dólares desviados de estatais ligadas ao PSDB e a grandes empreiteiras, num esquema articulado pela FIESP.
Listas de arrecadadores foram publicadas em jornais e revistas, com datas, valores, origens. O repórter Walter Nunes publicou na Época reportagens muito instrutivas a respeito. Havia quantias, nomes, e até cargos.
Mas, talvez pela falta de um porta-voz tão articulado como o ex-deputado Roberto Jefferson, que denunciou o mensalão do PT, desta vez ninguém falou do mensalão anti-CPMF. Seria muito mais honesto e divertido, concorda? Também ajudaria a entender tamanha combatividade da bancada da oposição para derrotar uma idéia que nasceu no governo de Fernando Henrique Cardoso, por obra de um médico tão respeitado como Adib Jatene. Até por uma questão de respeito a si mesma, a oposição não deveria ter combatido a CPMF com tanto empenho assim.
Já disse em mais de uma ocasião que, no debate sobre verbas para a saúde, Dilma precisa chamar Warren Buffett, o bilionário americano que declarou que acha injusto pagar tão poucos impostos impostos em meio a uma crise tão grande.
É isso. A crise mundial levou bilionários do mundo inteiro a aceitar a idéia de que os ricos também podem colocar a mão no bolso e fazer um pouquinho de sacrifício para ajudar seus países a tirar o pé da lama. E isso pode implicar, no Brasil, em pagar 0,1% de sua movimentação bancária para ter hospitais melhores, médicos mais aplicados, enfermeiros melhor treinados. (O,1% equivale à milionesima parte da movimentação bancária de uma pessoa. Se você movimenta R$ 120 000 por ano, faça a conta de quantos reais irá deixar na CPMF por esse período…) Mas a proposta está ainda em estudos, ninguém sabe qual é a idéia, exatamente. Só não vale empurrar para o Pre-Sal, que só começa a jorrar alguma coisa depois de 2015, quando muita coisa pode mudar no ambiente político, vamos combinar.
E não vale dizer que é preciso cortar primeiro os gastos para cobrar uma nova taxa depois. Afinal, ninguém quer fazer mau juizo da competencia do governo do PSDB para examinar as contas do governo, não é mesmo?
Verdade que parte das verbas da saúde foram desviadas de suas funções originais e será preciso cuidar para evitar novos abusos. Também é preciso dar conta de imensos problemas de gestão que o Estado brasileiro enfrenta e que se manifestam no setor. Mas não vamos brincar com as dores e doenças dos outros.
Não vamos por a mão na cabeça e fingir num gesto dramático que é preciso refundar o Brasil toda vez que se quer encarar um problema sério. Essa é a melhor forma de não resolver nada.
A idéia de criar novas taxas é inatacável do ponto de vista de um governo ocupado em controlar suas despesas. Madrinha de novos e velhos conservadores, a primeira-ministra britanica Margaret Tatcher não se cansou de fazer isso.
O patrono dos economistas do Estado minimo, Milton Friedman, dizia que não há almoço gratis. Verdade. Entre num posto de saúde perto de sua casa e responda rápido: há saúde grátis?
texto de PAULO MOREIRA LEITE
Fonte:http://colunas.epoca.globo.com/p