domingo, 3 de abril de 2011
Líbia - será que mais um dominó cairá?
A Líbia está espremida entre a Tunísia a ocidente e o Egito a oriente. É claro que o “vento do Magreb” partido de Tunis em dezembro, que sopra também sobre o Marrocos e a Argélia e que se abateu como um furacão sobre o Cairo em janeiro, tendo varrido o estorvo de velhos entulhos em ligação direta com os Estados Unidos (e Israel) como Ben Ali e Mubarak, chegaria também à Líbia, onde também o “Qaid” (o Guia) Muammar Kadafi esbanja, há 42 anos, um poder absoluto impossível de esconder atrás do véu do suposto “poder das massas” anunciado no “Livro Verde”.
O vento partido do Magreb ultrapassou o Magreb e ergueu uma onda que seguiu e seguirá adiante, mesmo que não esteja ainda claro em que praia acabará por depositar-se.
O Iêmen (que será o próximo elo na cadeia a ceder), o Bahrein (espremido entre a Arábia Saudita e o Irã, salvo por enquanto pelo contingente militar saudita, uma “ajuda fraterna” que não suscitou nenhum protesto “humanitário” do Ocidente, e sobretudo pelo fato de ser a sede da V frota dos EUA), a Síria da dinastia Assad, a frágil Jordânia e o fragilíssimo Líbano, o Iraque da guerra inacabada, a Arábia Saudita (gigante dos pés de argila, grande exportador de petróleo para os Estados Unidos e de “jihad”, a guerra santa islâmica, contra os Estados Unidos), e as petro-monarquias do Golfo (pequenos estados petrolíferos e paraísos financeiros, em geral inventados e presenteados pelo colonialismo, de base familiar e tribal).
Até a Palestina, ocupada e violentada por Israel no silêncio culposo do Ocidente (que busca encontrar a força para lançar a terceira Intifada) e a própria Israel, lançada em uma deriva irrefreável de extrema direita (que observa silenciosa e desconfiada a queda como pinos de boliche dos “inimigos” árabes que lhe garantiam o status quo e esquenta os motores para o seu verdadeiro objetivo, o Irã). Ninguém pode se dizer protegido do vento do Magreb.
É por isto que a partida que está sendo jogada na Líbia é decisiva. E quanto mais Kadafi “resiste”, mais crescem os riscos.
Tudo leva a crer que o coronel, mesmo que esteja se revelando um osso muito mais duro de roer do que Mubarak e Ben Ali, seja queimado. Mas ele sabe bem que a Líbia é um país diferente da Tunísia e do Egito – exército fraco, partidos políticos e sociedade civil inexistente, estrutura tribal forte – e tem, da sua parte, três armas poderosas para usar. O petróleo, a ameaça do recurso (ou do retorno) ao terrorismo, a imigração em massa em direção à “Fortaleza Europa” – da qual pode reabrir as torneiras.
A “guerra humanitária” – para “proteger a vida de civis”, para “exportar a democracia” (de novo!) e para meter as mãos no petróleo libanês, 75% do qual está na Cirenaica “liberada” pelos rebeldes – que os Estados Unidos, França e Inglaterra deflagraram contra Kadafi não vai parar. Mesmo que seja uma “guerra humanitária” com uma cobertura da ONU e da OTAN apressada demais e voltada “ad personam” para conferir-lhe alguma legalidade (por que Kadafi sim e não o Iêmen, o Bahrein ou a Costa do Marfim com o seu milhão de civis em fuga do conflito entre os dois presidentes Gbabo e Ouattara?).
Kadafi, com toda probabilidade, está queimado, mas a partida que se joga na Líbia não acabou ainda. O seu resultado final determinará a verdadeira dimensão daquela que foi chamada “a primavera árabe”.
Em jogo não estão apenas as reeleições de Sarkozy e Obama – o Nobel da paz que já tem nas costas duas guerras em andamento, uma na qual promoveu uma espetacular escalada e outra começada por ele, sem contar o golpe de 2009 em Honduras – mas o futuro arranjo da área provavelmente mais estratégica do mundo, pelo menos enquanto não acabar o petróleo e for o teatro do encontro-confronto da civilização com o Islã.
Fonte: texto original "A guerra na Líbia e as armas que restam a Kadafi" de Carta Maior