segunda-feira, 25 de abril de 2011

O destino de Cuba e dos outros


Depois que o regime dos irmãos Castro anunciou medidas que podem levar a uma abertura econômica em Cuba, mas nada fez em relação a mudanças em direção a uma ampliação das liberdades públicas, cabe sublinhar alguns pontos importantes.

Os leitores deste blogue sabem que sempre fui favorável a uma solução democrática para o regime cubano. Acho que nenhum povo deve ser tutelado por governantes que não oferecem um direito básico, de escolher seus governantes e definir os rumos de seu país.

Passei quinze dias em Cuba poucos anos atrás, quando Fidel Castro ficou doente e foi obrigado a deixar suas funções de governante. Naquele momento, a imprensa dos Estados Unidos divulgou que sofria de um cancer de intestino que lhe daria pouco tempo de vida, bobagem repetida com gosto por boa parte da mídia brasileira. Até hoje, ninguém se deu ao trabalho de explicar a origem de um erro tão escandaloso.

Na época, conversei com diplomatas, com estudiosos, com cidadãos comuns. Cheguei a seguinte conclusão: nenhum cubano quer mudanças capazes de ameaçar aquilo que a população enxerga como conquistas da revolução.

Os governantes querem manter uma ditadura que lhes garante o monopolio do poder e determinados privilégios. Não vão abrir mão dessa situação a não ser que sejam obrigados a isso — como ocorre em toda mudança política em qualquer parte do mundo, vamos combinar.

A população tem uma óbvia vontade de levar uma vida menos controlada, com menos repressão, mais liberdade e oportunidades de escolha na vida. Encontrei senhoras que adorariam receber convite para trabalhar como domésticas fora do país.

Mas o cidadão cubano tem consciência do destino reservado a maioria dos demais povos do Caribe, que se afundam num colapso economico onde o tráfico de drogas tornou-se uma força que domina, ameaça e destrói vidas numa geração inteira.

A tragédia social dos vizinhos sempre foi e continua sendo um dos alicerces importantes na sustentação do regime de Fidel e agora de Raul Castro e um dos principais contra-argumentos nas conversas sobre a urgencia de democratização do país.

Quem anda pelas ruas, visita mercados onde a população tem acesso a uma dieta paupérrima mas que chega a todas as mesas — o que não é comum em outros lugares.

O padrão de instrução da população cubana é efetivamente mais alto do que de outros cidadãos da América Central, o que explica até o sucesso relativo dos imigrantes que decidem deixar o país e não páram de sustentar a família com recursos enviados de fora, numa mobilidade social que também não se enxerga em cidadãos de outra nacionalidade.

A saúde pública oferece um serviço que, no plano básico, é infinitamente superior ao que se vê em outros lugares. A população sabe disso, até porque acompanha os deslocamentos da medicina diplomática de Fidel.

O cidadão cubano considera que seu país é vítima do bloqueio americano. É favorável a uma abertura maior mas não quer retornar a uma condição semi-colonial.

Até onde pude perceber, Fidel Castro é um ditador popular, tratado com admiração e mesmo com orgulho por boa parte da população. Essa visão quase heróica do ditador é admitida até mesmo por exilados que vez por outra retornam ao país para visitar parentes.

São fatores que tornam a inevitável — do ponto de vista histórico — transição de Cuba rumo a democracia mais lenta e mais complicada do que em outros lugares. Quem não entende isso está condenado a fazer pronunciamentos corretamente indignados — mas sem base na realidade do país.

Ao ignorar as bases materiais para a sobrevivência do regime, estes críticos fazem uma crítica que não dá conta do principal.

Fonte: http://colunas.epoca.globo.com/paulomoreiraleite/