segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Egito. O que está à vista? Mudança de liderança ou de regime?


Há doze dias, ainda não tinham começado as manifestações de protesto, a grande prioridade da comunidade ocidental era a preservação da estabilidade no Egito.

O tempo de alguma pressão sobre Mubarack para “abrir” o regime, de que Bush foi um dos protagonistas, não resistiu ao desfecho das eleições na Palestina que deu a vitória ao Hamas. Acabaram por prevalecer as preocupações sobre a segurança de Israel, de que o Egito se tinha tornado pedra-chave em 1978, data do Acordo de Paz, a prioridade do combate ao terrorismo e islamismo radical, e a segurança das fontes de abastecimento de petróleo na região.

Agora pretende-se uma transição ordeira para um regime democrático, uma verdadeira democracia e um diálogo nacional, para usar as próprias palavras da Secretária de Estado americana; mas com uma ressalva: a de que não resulte daí um regime que fomente a violência e o caos, acrescentou depois Hilary Clinton.

Faz sentido a preocupação, mas não se sabe como isso poderá ser garantido, quando a principal força da oposição é a Irmandade Muçulmana que não dá essa garantia e não se vêm outros movimentos políticos com força suficiente para evitar esse desfecho de uma forma democrática.

Mubarack, entretanto, deu mais uma contribuição para evitar que a oposição se una, encarregando o recentemente nomeado Vice-Presidente (Suleiman) de vir a público para mostrar disponibilidade do regime para falar com a oposição e prometer a repetição das eleições de Novembro para o Parlamento em todos os distritos onde os tribunais reconheceram ter havido fraudes.

Recorde-se que o Partido de Mubarack garantiu então a ocupação de 209 dos 211 lugares possíveis no Parlamento. A facção pragmática da oposição verá aqui uma saída da crise, mas as outras continuarão, muito provavelmente, a insistir que só aceitam negociar diretamente com os militares.

A divisão da oposição pode interessar diretamente a Mubarack mas dificilmente interessará ao País. A Mubarack pode vir a permitir-lhe ter argumentos, em face da continuação prolongada do caos de que a população não gosta (principalmente quando o pão aumentou quatro vezes de preço nos últimos dias), para atuar ao seu estilo contra os que não se mostrem disponíveis para entrar em acordos. Ao País em geral e em particular para os que desejam voltar ao seu dia a dia tão cedo quanto possível não interessa porque a falta de um representante único dos descontentes vai prolongar o impasse em que o País se encontra.

Mubarack pode ter a expectativa de que o prolongamento da situação vai cansar os que protestam e a seu tempo causar baixas por desistência mas pode acontecer exatamente o contrário: aumentar a impaciência e agravar-se o conflito.

Estará o Exército à altura de conter a crise? Para já contenta-se em manter uma estabilidade mínima marcando claras linhas vermelhas de proteção das instituições.

Não contando com a polícia para o primeiro controle da segurança do país e não desejando pôr em causa o crédito de prestígio de que desfruta na população, não lhe resta senão tentar contemporizar o mais possível. Até quando? Provavelmente até ao momento que se sentir que a sua autoridade fica irremediavelmente em causa.

Mubarack optou por um caminho cheio de riscos para tentar sair airosamente da crise; começou por fazer algumas promessas, aparentemente pensadas para trazer para o seu lado a fração pragmática da oposição - os que pensam que se já esperaram 30 anos bem podem agora esperar oito meses até às próximas eleições. Resolveu apostar também no cansaço dos manifestantes, agora já no décimo primeiro dia de demonstrações com confrontos entre facções pró e contra a agravarem-se de dia para dia.

Presumivelmente, Mubarack espera que os incidentes que começaram a verificar-se, já não sendo apenas demonstrações de protesto, lhe dão margem suficiente de legitimidade para exigir que o Exército se interponha entre as partes e imponha a ordem.

No entanto, as Forças Armadas ainda não terão feito a opção final sobre o caminho a adotar. As forças estacionadas na Praça Tahrir, que supostamente deviam controlar a situação, mantêm-se, de forma estranha, quase indiferentes ao que se passa à sua volta; nem sequer impediram, como é elementar, que a multidão acabasse por envolve-los totalmente, ficando dessa forma quase de mãos atadas. Nesta postura, vai ser muito difícil mudarem para uma postura de intervenção ativa, como a situação o exige.

Quanto mais demorarem a decidir-se por recuperar o controlo da situação mais esta se agravará e mais difícil será então resolvê-la. Terão muito provavelmente que chamar outras forças; as que têm estado no terreno dificilmente terão condições de atuar.

Mubarack não tem outro apoio a que possa recorrer, mas nem mesmo este recurso está a gerir inteligentemente. Ao nomear um militar (ex-Chefe do Estado Maior da Força Aérea) para o cargo de Vice-Presidente, está a dar ao País a imagem que, afinal, as Forças Armadas continuam a funcionar como a tábua de salvação do regime. Quando a população não tiver dúvidas sobre isso, então a imagem quase mítica de que o Exército beneficia junto dos egípcios começará a esvanecer-se rapidamente e acabará o crédito de confiança que dispõe para gerir o processo de transição.

De algum modo isso já está acontecer; o aproveitamento político do prestígio dos militares, que tentou fazer com a nomeação do Vice-Presidente, já não chegou para evitar que a oposição não aceite essa decisão desde o primeiro momento.

Os EUA e agora também a UE, em particular os cinco que objetivamente se manifestaram sobre a situação (França, Reino Unido, Alemanha, Itália e Espanha), insistem que a transição “deve começar já” embora em nenhuma circunstância refiram que o processo deve começar pela saída do Presidente. Começa, no entanto, a ficar explícito que é precisamente isso que esperam a fim de evitar maior deterioração da situação. Fica a incógnita preocupante do rumo que o País poderá tomar a partir daí; em especial, saber se a oposição secular conseguirá organizar-se em tempo oportuno e de modo eficaz a “travar o passo” aos avanços da Irmandade Muçulmana.

Obviamente, os interesses ocidentais sairão seriamente comprometidos se a queda do regime se processar em favor de grupos radicais ou de um regime que questione a paz com Israel. No entanto, o risco, pelo menos, não é imediato. Não havendo nenhuma força política por detrás dos manifestantes, para já o processo de transição será liderado pelas Forças Armadas. Depois será um processo político impossível de prever e como tal preocupante.

Para o curto prazo, o interessante é uma notícia que passou a circular recentemente relacionada a Israel. Mesmo ferindo os termos de um Acordo de 2005 com o Egito (na seqüência dos Acordos de Paz), Israel tinha autorizado o estacionamento de dois batalhões do Exército egípcio (cerca de 800 homens) em Shar-el-Sheikh, na Península do Sinai; é um movimento curioso porque nada explica essa movimentação e começou-se a especular com o fato de Mubarack ter uma residência nessa zona.

É possível que o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas egípcias esteja a considerar uma solução de saída minimamente digna à volta dessa possibilidade, com o apoio de Israel e dos EUA. Se esta associação tem de fato consistência então temos aí um sinal de que um primeiro desfecho da situação poderá estar para breve.

Fonte: Jornal da Defesa e Relações Internacionais postado http://brasilnicolaci.blogspot.com/