Responda rápido: considerando o período democrático, quem foi o primeiro presidente brasileiro que condecorou e bajulou um ditador violento, condenado por perseguir, torturar e executar adversários políticos, alvo de repúdio internacional por corrupção e desrespeito a democracia?
Você errou se cravou o nome de Luiz Inácio Lula da Silva depois de pensar no primeiro-ministro do Irã Mahmoud Amadinejad.
Em 1999 o presidente Fernando Henrique Cardoso entregou a Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta condecoração brasileira, ao ditador do Peru, Alberto Fujimori,
um dos queridinhos do autoritarismo conservador da América Latina.
Uma pequena pequena reportagem do UOL, com data de 22 de julho de 1999, decreve: naquele dia FHC tomou o avião e foi até Lima entregar a condecoração brasileira. Reuniu-se com empresários, fez uma pequena palestra e no fim do dia tomou o avião de volta.
Cumprindo seu terceiro mandato consecutivo, o presidente peruano era considerado um risco para a democracia na América Latina. Falava-se mesmo em “fujimorização” para descrever a formação de ditaduras que nascem por dentro, pela traição aos principios de uma democracia.
Depois de eleito pelo voto popular, Fujimori fechou o Congresso, perseguiu a oposição e manipulou a Justiça. Criou um serviço secreto que identificava e assassinava adversários. Montou um esquema de corrupção dirigido pelo chefe do serviço secreto, que comprava o silencio da grande mídia com o pagamento de propinas — e filmava a cena de pagamento aos empresários para que fossem chantageados no futuro. A tortura era rotina no país.
Rejeitado pela comunidade internacional, Fujimori tornou-se uma espécie de marginal diplomático, repudiado até pelo governo americano, com o qual manteve, inicialmente, uma profunda identificação ideológica e geopolítica.
Apenas um ano depois de condecorado pelo governo brasileiro, Fujimori acabou afastado do poder numa operação apoiada pelo governo americano. Conseguiu fugir do país mas voltouao Peru e hoje cumpre pena de vinte anos de prisão.
Do ponto de vista dos direitos humanos e da democracia, o apoio de Brasilia só pode ser classificado como um vexame, que enfraquecia os esforços da oposição peruana para denunciar o regime e forçar seu isolamento internacional. Adversário de Fujimori, o escritor Mario Vargas Llosa liderara uma campanha de denuncia permanente contra a violencia do governo.
Estive em Lima, naquela época. Fiz uma entrevista exclusiva com Fujimori em seu gabinete. Andei pela rua, conversei com empresários que adoravam seu governo, entrevistei adversários politicos e lideranças civis perseguidas. Fujimori possuia uma base popular real, que agradecia seu esforço para controlar a economia e impor a ordem num país atingido pela violencia terrorista do grupo Sendero Luminoso.
Nem por isso deixava de ser um ditador — com vários traços semelhantes a Mahmoud Amadinejad. Naquele período, um presidente eleito da Guatemala fechou o Congresso e tentou governar com apoio do Exército e medidas de força. Acabou sendo forçado a renunciar em menos de uma semana. Mesmo assim, entrou para a História das tristes democracias latino-americanas como o primeiro seguidor do fujimorismo.
A liberação de nossos arquivos diplomáticos talvez possa nos ajudar a entender, um dia, o motivo para o apoio brasileiro ao ditador vizinho — da mesma forma que também poderá explicar o apoio sem condições ao governo iraniano.
Mesmo assim, permanece uma outra pergunta: entender por que a entrega de uma medalha ao ditador vizinho jamais levou FHC a receber críticas tão duras como aquelas que alvejaram Luiz Inácio Lula da Silva em função de seu apoio a Ahmadinejad.
Seria o preconceito contra Lula? Seria uma campanha disfarçada para usar a diplomacia para para ajudar a oposição? Seria ignorancia? Esquecimento?