quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A derrota do futebol sem torcedor

Confesso que não aguento mais lições moralistas sobre a derrota do Santos para o Barcelona. Nem vou falar das críticas a Neymar porque são pura covardia. Coisa de quem nunca suportou seu talento, sua alegria — e só estava esperando por uma chance para dar uma punhalada.

Há quem diga que nosso individualismo foi derrotado. Também ouvi dizer que o Barcelona faz um trabalho de longo prazo enquanto nossas equipes são imediatistas. Um número razoável de analistas faz uma queixa periódica. Diz que devemos voltar ao futebol arte e que nossa derrota foi produzida por um estilo que não reflete a escola brasileira de jogar.

Não custa lembrar que, quando o futebol-arte foi derrotado, passaram a defender uma espécie de futebol de resultados. Vamos fazer meia volta sem olhar para trás?

Este vale tudo teórico me cansa. Isso porque todos estes argumentos tem seu fundo de verdade. Mas também encobrem inverdades, confusões e até mentiras. E aí coloco a pergunta: por que ninguém disse isso antes?

Minha explicação é que o futebol brasileiro está chegando ao fim de uma ilusão e não tem coragem de fazer um balanço necessário.

Enquanto o Barcelona passou os últimos 30 anos construindo uma relação fortíssima com torcedores, investiu nas equipes de base e valorização do próprio escudo, a ponto de ser um dos últimos times grandes a admitir publicidade nos uniformes, os times brasileiros acreditam no conto do vigário do futebol-empresa.

Os campeões do mundo nunca deixaram de respeitar a própria camisa, aquela que todo torcedor gosta de vestir quando anda pela rua, que serve de identidade e pode ser uma demonstração de caráter.

Em nome da modernidade, da independencia financeira, os times brasileiros fizeram o contrário. Viraram casas de négócio, com a principal obrigação de combinar receitas com despesas e, se possível, dar lucro.

Foi correto procurar auxílio de gestores profissionais, capazes de afastar cartolas e espertalhões dos cofres dos clubes.

Mas os clubes erraram quando resolveram entregar-se aos grandes empresários do mercado de craques, que se tornaram os verdadeiros patrões do nosso futebol — inclusive da seleção.
Os jogadores permanecem poucas temporadas nos clubes, porque precisam gerar novos ganhos para os intermediários, que forçam um regime de troca permanente. Em campo, estes platéis de alta rotatividade impedem a formação de um conjunto estável, entrosado, que joga por música, como faz o Barcelona.

Na arquibancada, essa situação dificulta a criação de uma identificação entre cada torcedor e seu ídolo, entre a massa e o time. (Nesse campo, vamos reconhecer, o Santos fez um esforço raríssimo, digno de todos os elogios, para manter Neymar. )

As camisas de nossos clubes se tornaram mais coloridas que uniforme de Formula-1 e nem têm aquela harmonia típica dos macacões dos pilotos.

Num país onde se proibe o trabalho infantil, a exportação de craques a partir dos 16 anos tornou-se autorizada em lei e, quando não é vista como uma fatalidade, é até comemorada.

Podia dar certo? Duvido. Na Espanha, os times-empresa estão quebrados. Na Inglaterra, nem o apoio da mafia ajuda a formar boas equipes.

A busca do futebol-empresa se transformou naquele jogo que toda empresa procura, isto é, o resultado. Nosso futebol não se tornou feio por opção mas porque era preciso fazer o que toda empresa faz. Evitar prejuízo ou, no caso, derrotas. A opção por técnicos defensivos, do chutão, do goleiro que virou meia-armador vem de cima.

Quem pode gostar de um jogo assim? Quem não é torcedor, quem nunca levou o filho ao estádio, como fazia meu pai — ele para torcer pelo Corínthians, eu para gritar pelo Santos.

O próprio Barcelona mostra que não é possível ter um bom time de futebol sem cultivar a alma de uma equipe — que são os torcedores. E isso você faz com bons artistas.

Não sei quando os times brasileiros deixaram de fazer isso. Mas faz tempo. E é hora de pensar por que. Sem isso, em breve vai ser difícil até voltar para casa com a medalha de vice campeão.
Fico feliz em ver que mão sou o único preocupado com isso. Pegue o link para uma boa nota sobre o mesmo assunto:

http://www.esportefino.net/o-santos-perdeu-do-barcelona-e-de-quem-e-a-culpa/

texto de PAULO MOREIRA LEITE

Fonte: epocaglobo.com.