Em 25 de abril do ano passado, depois que a Câmara de Vereadores aprovou a lei que proibe o uso do saco plástico — mas não obrigou os supermercados a cuidar da embalagem de suas mercadorias — publiquei uma nota sobre a novidade. Considerando que no dia 25 essa novidade entrará em vigor em São Paulo, decidi republicar aquele texto. Confira:
“Confesso que fico incomodado com um aspecto da lei do saco plástico, aprovada pela Câmara de Vereadores de São Paulo e sancionada pelo prefeito Gilberto Kassab. Como ocorre em várias cidades brasileiras, e também na Europa e nos EUA, a lei proibe os supermercados de usar saco plástico para embrulhar as mercadorias dos clientes.
Não vou discutir a importancia de se preserver o meio ambiente e evitar agressões à natureza. Já li a cartilha. Tenho duas sacolas para fazer compras. Uma, de lona. A outra, artesanal, foi feita de palha. Gosto de usá-las. Você pode dizer que este blogueiro faz sua parte.
Mas eu acho que a lei do saco plástico aprovada em São Paulo transfere para nós — consumidores — uma obrigação que sempre foi dos supermercados. Como cidadão, isso me deixa incomodado.
Desde que entrei num Peg Pag que funcionava décadas atrás, na Joaquim Floriano, no Itaim, os supermercados sempre trabalharam assim: você escolhe os produtos, empurra o carrinho e paga no caixa. Cabe ao supermercado entregar o pacote com as mercadorias. Antes, o pacote era de papel. Depois (será que isso tem a ver com as campanhas para não derrrubar árvores? Ou eram os custos?) vieram os sacos de plástico.
Mas vamos combinar: embrulhar a mercadoria não era meu problema nem seu. Era do supermercado. Ninguém precisava ocupar um minuto de seus neuronios com isso. Não era preciso escrever na agenda mental: é dia de supermercado, não esquecer de levar a sacola na hora de sair de casa.
Com a nova lei, o embrulho virou nosso problema. A partir do momento em que a lei entrar em vigor, seremos convocados a sair de casa com nossa sacolinha embaixo do braço. Caso contrário, podemos pedir ao supermercado que nos ofereça caixas e caixotes para transportar nossa mercadoria.
Como é fácil imaginar que sempre teremos consumidores do que caixas de papelão, boa parte dos clientes será obrigada a colocar a mão no bolso e acrescentar um novo item à compra: sacolas. No Pão de Açucar, elas são vendidas a R$ 6,99.
Em bairros da periferia, os comerciantes já transformaram o saco plástico numa forma de ganhar dinheiro. Eles não podem doá-los aos consumidores. Mas começaram a vendê-los. Num supermercado de um bairro distante, cada unidade é vendida por R$ 0,16. Parece pouco mas não é. Conforme a quantidade, um atacadista pode comprar o saco plástico a R$ 0,03. Faça as contas e conclua por você mesmo.
Custo a acreditar que a lei do saco plástico tenha sido inventada para nos tungar 7 reais de vez em quando. Não foi assim. A idéia criou uma nova oportunidade, um nicho de consumo, que o comércio não deixa de aproveitar. Mas estima-se que os saquinhos representavam um gasto de R$ 50 milhões por ano aos supermercados de São Paulo. Com a proibição, eles tiveram um respeitável abatimento em seus custos.
Fico incomodado com a forma pela qual a lei foi pensada e será aplicada, como um tipico de exercício de marketing por nossa conta.
Num esforço para cortejar o eleitor com preocupações verdes, nossos representantes municipais decidem proibir o saco de plástico. Mas como ninguém quer se confrontar com os donos de supermercado joga-se a questão para o consumidor. Como a lei proibe os sacos plásticos mas não cria novas obrigações, os supermercados poderão economizar alguns milhões por ano. Alguns estabelecimentos podem até levar algum.Bonito, não?
Claro que nossa vida pública anda tão desanimadora que muitas pessoas consideram que a melhor forma de participação política é sair de casa com sua sacolinha embaixo do braço. Vamos combinar: quando se olha para muitos de nossos políticos, dá muita vontade de proteger os animais, não é mesmo?
Quando fui fazer compras, ontem, uma dona de casa me disse: a partir de agora, vou deixar uma ou duas sacolas no carro, para não esquecer. Pergunto: e quem anda de ônibus?
Mas a questão principal não é essa. Nossos direitos como consumidores ficaram diminuídos com a nova lei. Fomos delicadamente embrulhados. Curiosamente, ninguém acha ruim.”
Fonte: por PAULO MOREIRA LEITE http://colunas.revistaepoca.globo.com