Salvo engano, foi Chalmers Johnson quem falou pela primeira vez do “desenvolvimentismo” asiático, no seu célebre livro sobre o “milagre econômico japonês”, publicado em 1982.
Depois dele, transformou-se num lugar comum dizer que o “estado desenvolvimentista” foi ator central do crescimento econômico acelerado da Coréia, Taiwan e Singapura, entre os anos 60 e 80; da China, a partir dos anos 90; e do Vietnã, no início do século XXI.
O próprio Johnson – que era economista, serviu na Guerra da Coréia, foi consultor da CIA para a Ásia, e lecionou nos Centros de Estudos do Japão e da China, da Universidade da Califórnia – voltou muitas vezes ao tema e acabou transformando-se num dos grandes especialistas norte-americanos em economia política asiática. E foi um dos principais responsáveis pela difusão e aprofundamento acadêmico da pesquisa e do debate que ganhou ressonância internacional, com a publicação do Banco Mundial, do “The East Asian Miracle: Economic Growth and Public Policy”, em 1993.
No seu tempo, o livro de Johnson surpreendeu o mundo acadêmico: segundo o autor, o “modelo econômico” japonês do pós-guerra não era original e vinha dos anos 20; e sua característica fundamental não era econômica, tinha a ver com a “intensidade” com que a sociedade e o governo japonês se dedicavam ao estabelecimento e cumprimento dos seus objetivos estratégicos.
Para Johnson esta “intensidade” se devia ao fato de que o “modelo” tinha sido concebido como um instrumento de guerra e de reconstrução, depois da guerra, e como instrumento de defesa da soberania japonesa, frente aos desafios do mundo e do contexto geopolítico asiático, na segunda metade do século XX.
Este contexto explicaria o nascimento e a força da ideologia nacionalista e das instituições japonesas responsáveis pela mobilização da sociedade e pela submissão do desenvolvimento econômico aos seus objetivos de longo prazo. Em 1989, a economista americana, Alice Amsden, publicou outra obra clássica – “Asia´s Next Giant” – sobre o “milagre econômico coreano” onde ela identificava características parecidas com o desenvolvimento japonês: o “modelo coreano” também vinha de antes da II Guerra, e havia sido forjado na luta anti-colonialista, contra o próprio Japão.
Depois de Johnson e Amsden, muitos outros pesquisadores e especialistas encontraram as mesmas características no desenvolvimento acelerado de Taiwan e Singapura, e de forma ainda mais gritante, no desenvolvimento da China e do Vietnã. O próprio Johnson identificou no nacionalismo camponês e revolucionário chinês, do início do século XX, a grande fonte originária da “energia desenvolvimentista” da China contemporânea.
Apressando o argumento, é possível extrair pelos menos quatro conclusões desta vasta literatura sobre o crescimento asiático:
I) a maioria dos estados nacionais asiáticos se constituiu na segunda metade do século XX, depois do fim do colonialismo europeu. Mas quase todos os novos estados mantiveram suas fronteiras tradicionais e civilizatórias, e sua relação milenar, dando origem, desde o início, a um sistema inter-estatal regional altamente competitivo.
II) em clave européia, a estratégia econômica destes países asiáticos esteve sempre mais próxima do mercantilismo de William Petty do que da economia política de Smith ou Marx; e muito mais próxima do nacionalismo econômico do alemão Friederich List, do que do liberalismo heterodoxo do inglês John Keynes: sua primeira prioridade foi sempre a construção do estado e a defesa da unidade territorial da sua sociedade e da sua civilização.
III) não há nenhuma instituição ou política que explique isoladamente o sucesso do crescimento asiático, e que possa ser transplantada para países que tenham se constituído ou estejam fora de sistemas de poder altamente competitivos. A simples condição de “latecomer” ou de “capitalismo tardio” não explica nada, nem é capaz de gerar um projeto e uma estratégia de alto crescimento.
VI) por fim, os asiáticos nunca se referiram a si mesmos como “desenvolvimentistas”, e sua estratégia econômica não tem nada a ver com o chamado “desenvolvimentismo latino-americano”. Sua política industrial, comercial e macro-econômica sempre esteve a serviço de sua “grande estratégia” social e nacional, e da sua luta pela conquista ou reconquista de uma posição internacional autônoma e preeminente.
Os asiáticos têm plena consciência de que a política econômica entregue a si mesma é cega e incapaz de gerar seus próprios objetivos. E muito menos ainda, de definir os objetivos de uma sociedade e de uma nação.
Texto de José Luís Fiori - cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Fonte: Correiodobrasil