segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Hipócritas reclamam de “uso político”

Começo a ficar irritado com observadores e analistas que se declaram preocupados com o “uso político” de determinados acontecimentos. Pergunto a origem desse comportamento. Recentemente até políticos se pronunciaram contra o “uso político” do despejo de moradores do Pinheirinho.

Um número imenso se revela incomodado com o “uso político” das UPPs no Rio de Janeiro. Idem para a Cracolândia. Para a taxa de juros.

O Bolsa-Família já foi muito criticado por seu “uso político.” O argumento era assim: “a idéia não é ruim. O problema é o uso político.”

Com esse argumento, procura-se separar o eventual benefício de determinada proposta daqueles dividendos (ou prejuízos) que ela poderia gerar às autoridades. Faz sentido?

Numa sociedade democrática, é natural que erros e acertos produzam efeitos políticos. Isso porque as pessoas se informam, têm liberdade para julgar, dão opinião, tomam partido, discutem. Seria hipocrisia fingir que não é assim.

Ousaria até dizer que a grandes ações e propostas dos governantes do mundo inteiro nascem como idéias políticas que, cedo ou tarde, serão usadas politicamente. A favor, quando dão certo. Contra, quando dão errado. O jogo é esse.

Quando pode desfrutar de liberdades públicas, uma sociedade faz “uso político” de tudo, o tempo inteiro. Quando fala de um buraco na rua, do aumento da violencia, da queda no desemprego.

Mesmo quem procura apoio em análises de caráter técnico — que sempre são as melhores num debate produtivo — também não deixa de fazer uso político dessas informações.

As queixas contra o “uso político” são uma forma de “uso político” também. É um recurso para desqualificar o argumento do adversário como interesseiro, desinformado, panfletário e, simultaneamente, dar um verniz desinteressado, técnico e maduro para o próprio ponto de vista.

Com uma retórica paternal, ou professoral, ou ambas, encobre-se a própria opinião política para assumir a postura de quem está acima do debate dos simples mortais. É uma forma de sugerir um saber superior, inalcançável para o cidadão comum.

Texto de Paulo Moreira Leite - http://colunas.revistaepoca.globo.com