quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Lições da luta contra a corrupção


Algumas verdades neste processo.

1- A mais importante é que não podemos pensar a corrupção como um aspecto externo de nosso sistema político. Ela está em seu interior, é parte do ar que nossos políticos — de todos os partidos — respiram. Não há político sem tesoureiro, não há tesoureiro sem caixa 2 e não há caixa 2 sem dinheiro sujo — seja fruto de sonegação fiscal, de pagamento de propina, da troca de favores prestados e assim por diante.

2- Outra lição importante é que boa parte das denúncias de corrupção tenta apresentar a luta política por idéias e interesses mais amplos como uma simples encenação sem sentido e sem impacto na economia e na vida da sociedade. Não é assim. Esta visão procura despolitizar a política.

3- Nosso sistema produz políticos semelhantes no sistema de financiar suas campanhas, mas que são diferentes nas propostas e projetos para o país. Tentar nivelar todos pelo mesmo termômetro equivale a prestar um desfavor à democracia.

4- Na semana em que se comemora os 50 anos da renuncia de Janio Quadros, convém recordar que o político que iniciou a carreira brandindo uma vassoura para limpar a corrupção foi enterrado por conta da empreiteira Andrade Gutierrez. Isso ajuda a sublinhar que, por trás da ambição de viver sob costumes honestos e aceitáveis parea todos, a denuncia da corrupção também se presta a manipulação política de um anseio justo.

5- Hoje em dia ocorre o seguinte: você denuncia a corrupção quando lhe convém, esconde quando interessa. Em geral nada faz de concreto para reduzí-la porque um dia pode vir a beneficiar-se dela, seja pelo financiamento de esquemas políticos, seja até pelo enriquecimento pessoal.

6- A existe a convicção de que a única forma de reduzir o grau de corrupção da política de um país é pelo corte de seu principal estímulo, que é a possibilidade de privatizar o poder de Estado. O problema central no Brasil não é falta de educação formal do povo. Nem que “nossos políticos” sejam mais condenáveis do que os outros. O problema é que nós não temos meios para defender a democracia diante dos grandes interesses econômicos que interferem indevidamente no jogo político. Este é o problema.

7- A corrupção pode ou não enriquecer políticos. Pode lhes dar aviões e mansões, passeios pela Europa, automóveis do ano ou mesadas permanentes até o fim da vida. Alguns corruptos vão se tornar milionários no meio do caminho. Outros vão apenas administrar um dinheiro que não lhes pertence e usá-lo para defender seus projetos. Mas a corrupção só existe porque permite o acesso privilegiado ao poder de Estado. Dessa forma, é um instrumento que sabota e prejudica a democracia, regime onde o poder soberano se encontra no voto, instrumento que em teoria está ao alcance de todos e faz de ricos e pobres, homens e mulheres, inteiramente iguais diante da urna.

8- No Brasil de hoje, a corrupção se faz com uma cobertura perfeita, que são as contribuições privadas de campanha. A lei autoriza que uma pessoa dê dinheiro a um candidato ao qual irá cobrar favores depois da eleição. O dinheiro privado das campanhas abre uma porta para quem paga mais — e isso é considerado não apenas legal, mas legítimo.É quase impossível tomar qualquer providência séria contra a corrupção sem uma mudança desta legislação que, na prática, oferece mais poder a quem paga mais. A força do poder econômico questiona o fundamento número 1 das democracias,que é a igualdade de oportunidade entre os candidatos.

Para refletir
Pela legislação atual, temos uma disputa injusta entre forças políticas, que sempre irá levar um político em desvantagem no mundo legal a procurar compensações ilegais para competir em melhores condições pelo voto. Por isso o financiamento público de campanha seria um meio de diminuir a corrupção. Permite um controle maior, uma prestação de contas mais séria e é mais transparente. Recursos públicos são distribuídos de acordo com o desempenho eleitoral de cada legenda, o que parece muito razoável, ainda que imperfeito.

O eleitor que diz que não quer que o dinheiro publico vá para os políticos está sendo ingênuo, pois o "dinheiro privado" nada mais é do que o dinheiro público desviado pela corrupção em obras, serviços e receitas públicos. O rastro das verbas que saem dos cofres dos financiadores de campanha, hoje, sempre aponta, mesmo que seja por caminhos mais sinuosos, para o bolso da população, que paga por obras superfaturadas, tráfico de influência e assim por diante.

Seria absurdo, é claro, cruzar os braços até que ocorra uma mudança legal. A punição dos responsáveis é um fator poderoso para dissuadir os candidatos a delinquentes. É por isso que mesmo países que tem um sistema de campanhas semelhante ao nosso, exibem um grau de corrupção aparentemente mais tolerável.

Mas não vamos nos iludir. Sempre que a lei institucionalizar uma disputa desigual entre candidatos, permitindo que o poder econômico seja o árbitro da competição, os menos favorecidos por qualquer razão irão atrás de recursos para alimentar suas fileiras. Isso acontece porque não estamos falando de dinheiro nem de ética. Estamos falando de poder.

Texto original de PAULO MOREIRA LEITE , http://colunas.epoca.globo.com de 23/08/2011