quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Pacote nacionalista e protecionista solidifica aliança Dilma - indústria


Com o mundo à beira de uma nova fase da crise financeira mundial iniciada em 2008, momento que tem como símbolo máximo a crise da dívida dos Estados Unidos, a presidenta Dilma Rousseff lançou nesta terça-feira (02/08) um pacote de medidas em defesa da indústria nacional no qual explicita uma aliança com o setor para que o mercado interno continue sendo o motor do crescimento.

O pacote reduz impostos, oferece crédito público mais barato para financiar investimentos e inovação das empresas, dificulta certos tipos de importação e assegura que fornecedores brasileiros tenham preferência em compras do governo, entre outras coisas.

O objetivo principal do pacote, batizado de Brasil Maior, é evitar que o dólar barato – efeito quase inevitável, na avaliação do governo, da nova etapa da crise mundial – quebre empresas brasileiras exportadoras e aquelas que concorrem com importados no país. A dificuldade dos dois segmentos poderia gerar demissão de trabalhadores e desaceleração da economia, o que o governo tenta evitar.

“Estamos iniciando uma cruzada em defesa da indústria brasileira diante de um mercado internacional com uma competição, na grande maioria das vezes, desleal e predatória”, disse Dilma, no discurso de lançamento do pacote. “A insensatez pode ter sido evitada, mas a instabilidade produzida lá fora vai continuar”, completou.

“Insensatez” foi a palavra mais usada nos últimos por Dilma e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para se referir à crise da dívida dos Estados Unidos. A negociação entre o presidente Barack Obama e seus inimigos republicanos arrastaou-se até a véspera do prazo a partir do qual poderia haver um calote, justamente nesta terça-feira (02/08).

Segundo Carta Maior apurou, Dilma exigiu de seus ministros que fechassem o pacote a tempo de ser lançado no máximo até o dia D da dívida norte-americana. A presidenta entende que assim será mais fácil defender um pacote protecionista de adversários de visão mais liberal. Não por acaso, ela começou o discurso dizendo justamente que o dia 2 de agosto pode ter um “significado especial” no Brasil e no mundo.

O discurso de Dilma encerrou uma sequência de falas de ministros e de um empresário em que o tom nacionalista e protecionista foi marcante.

Primeiro orador do evento, Guido Mantega foi o mais enfático. Usou palavras fortes e frases de efeito, ao apresentar o pacote a uma platéia formada por industriais e políticos – sindicalistas optaram por boicotar o lançamento, por discordarem do processo de elaboração do plano e de uma das medidas, a desoneração da folha de salário para alguns setores.

Segundo Mantega, o mundo “está em crise” e vive um “ambiente extremamente adverso”, caracterizado por “concorrência predatória” nas exportações e por “mercados de manufatura [que] subiram”. “Temos que ter a perspectiva de que [a situaçào] não vai melhorar”, afirmou o ministro. “O mercado brasileiro precisa ser usufruído pela indústria brasileira e não pelos aventureiros que vêm de fora.”

O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, não ficou atrás. Parafraseando o slogan do governo Dilma (“País rico é país sem pobreza”) disse que “país desenvolvido é país que tem indústria” e que o governo vai estimular o setor. “É obrigação do Estado brasileiro defender o mercado local e a indústria local”, declarou.

Único orador do setor privado a falar, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, foi só elogios. Disse que, “num momento simbólico”, o pacote “reafirma o papel da indústria no desenvolvimento da economia e prioriza competitvidade e inovação na estratégia da política industrial.”

“A indústria nacional tem em mim uma aliada”, afirmou Dilma Rousseff. “Nós não acreditamos que o desenvolvimento possa abrir mão da indústria e se dedicar prioritariamente a construir uma economia de serviços”, completou.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que calcula o tamanho da economia, o setor industrial respondeu, no ano, por 24% do chamado produto interno bruto. Já o setor de serviços, onde estão os bancos, por exemplo, ficou com 58%.

Ao encerrar o discurso, Dilma recorreu a um dos símbolos do pensamento nacionalista e desenvolvimentista do Brasil, o economista Celso Furtado, morto há sete anos. Citou-o para dizer que “nossa economia já não é comandada de fora, de fora para dentro” e que “nós somos senhores do nosso próprio destino”.


Dilma prioriza negociar pacote com empresas e se afasta de centrais

O governo priorizou a negociação com o empresariado ao preparar o pacote de apoio à indústria nacional lançado nesta terça-feira (02/08). Foi por esta razão que as centrais sindicais resolveram boicotar o evento, e não só por divergência pontual (desoneração da folha de salário das empresas) dentro de um plano que, no todo, elas aprovam.

Os sindicalistas temem que a preferência do diálogo com empresários seja um estilo permanente da presidenta Dilma Rousseff, diferentemente do que ocorria com Luiz Inácio Lula da Silva, quando as centrais tinham mais poder para influenciar decisões.

Responsável pelo contato cotidiano do Planalto com movimentos sociais, o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, sabe do incômodo que começa a crescer entre os sindicalistas e tentou acalmar os ânimos numa reunião nesta segunda-feira (01/08).

Ao lado de quatro ministros (Fazenda, Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento e Previdência Social), Carvalho apresentou as linhas gerais do pacote e garantiu que defender o emprego dos trabalhadores era uma das grandes preocupações do governo com o programa “Brasil Maior”.

Mas, segundo relato de participantes ouvidos por Carta Maior, quando o assunto “desoneração da folha” surgiu, monopolizou a conversa e foi usado pelos sindicalistas para manifestar uma contrariedade mais ampla (a preferência dada à negociação com os empresários).

“Nós não queremos ser chamados para ouvir, queremos falar também”, resume o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva Santos.

Para os sindicalistas, quando deixa de chamá-los para negociar, o governo tira deles a oportunidade de usar propostas de interesse patronal, como era o caso da desoneração da folha, para arrancar concessão pró-trabalhadores. Por exemplo, o compromisso dos empresários de que o alívio fiscal da desoneração da folha seria revertido necessariamente em novos empregos, não só em lucro.

No pacote lançado nesta terça-feira (02/08), o governo jogou para o faturamento a incidência de tributo destinado à Previdência até hoje cobrado sobre a folha de salário. A nova regra entrará em vigor no ano que vem e valerá para quatro setores (têxtil, calçadista, moveleiro e de tecologia da informação). Na prática, os quatro vão pagar menos impostos.

Se a experiência der certo, o governo pretende estender a mudança para outros ramos. As centrais temem que a Previdência perca receita e esta nova realidade alimente propostas privatistas no futuro. O governo diz que vai bancar qualquer diferença.

Segundo Carta Maior apurou, a relativa distância que a presidenta e alguns auxiliares têm mantido das centrais sindicais, neste início de mandato, causa uma certa preocupação em setores do Planalto. Para estes setores, Dilma não deveria deixar prosperar a ideia de que gosta mais de agir como gerente e de conversar com empresários.

Também segundo Carta Maior apurou, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) já percebeu que está com mais acesso a áreas do governo e, por isso, tem tentado explorar esse canal para defender poições de interesse patronal. Mais do que recorrer ao Congresso Nacional, inclusive. Segundo um assessor da CNI, nunca a entidade direcionou tanto suas energias ao diálogo com o poder Executivo quanto agora.

Sabendo da insatisfação e do boicote dos sindicalistas ao evento, a presidenta fez questão de citar os "trabalhadores" várias vezes no discurso de lançamento do programa Brasil Maior. Ao todo, foram sete vezes.

Dilma disse, por exemplo, que o pacote não "desrepeita os direitos dos trabalhadores", que eles "podem ter certeza de que o governo está do lado deles" e que as medidas interessam "sobretudo aos trabalhadores brasileiros."

Fonte: Carta Maior