No dia 24 de outubro de 2011, toda a esperança que a Primavera Árabe trouxe aos dirigentes ocidentais se desmoronou. Quando a população saiu às ruas para protestar contra regimes repressores e derrubou um a um os ditadores do Oriente Médio e Norte da África, os europeus e americanos não pouparam elogios públicos. O apoio moral se tornou até financeiro e bélico na revolução líbia. Todos juntos contra o mal, mais conhecido como Muammar Kadafi. E quando esse foi brutalmente executado, Barack Obama, Nicolas Sarkozy, David Cameron e outros tantos chefes de Estado, comemoraram o nascimento de uma nova Era.
Mas a lua-de-mel entre Oriente e Ocidente durou pouco. Ontem, duas notícias lembraram à comunidade internacional que no mundo árabe quem dita as regras é a religião.
Aliados, aliados, Islã a parte. O discurso extremista, mantido em banho-maria durante a ofensiva, está de volta. Talvez um pouco mais moderno e articulado, mas desprovido de qualquer timidez.
A lição de maturidade política dada pela Tunísia, estopim da Primavera Árabe, na sua primeira eleição livre mascarou a volta de um regime conservador. Por mais que o partido eleito Ennahda – « renascimento » em português – tente se desvincular da imagem integrista que ganhou no reinado de Ben Ali, ele é baseado no islamismo.
No seu retorno do exílio no final de janeiro, o chefe Rached Ghannouchi afirmou que não iria impor as leis da religião na política e respeitaria o estatuto da mulher tunisiana, o mais avançado do mundo árabe. Mesmo assim, seu nítido discurso ambíguo fez a comunidade internacional ficar de cabelo em pé.
Se a Tunísia ainda tenta esconder o jogo, a Líbia faz questão de ostentá-lo, agora que Muammar Kadafi é apenas um cadáver em putrefação no chão de uma frigorífica. No primeiro discurso pós-revolução, Moustapha Adbeljalil, presidente do Conselho Nacional de Transição líbio, anunciou : "Como uma nação muçulmana, adotamos a Sharia islâmica como base do Direito, então qualquer lei que contradiz os princípios do Islã é ilegal."
Segundo a definição, a Sharia é o corpo da lei religiosa islâmica, na qual os aspectos públicos e privados da vida do adepto são regulados. Não há separação entre a religião e o direito. Todas as leis são religiosas e baseadas nas escrituras sagradas ou nas opiniões de líderes religiosos.
A declaração deixou a Federação Internacional da Liga dos Direitos do Homem inquieta com a ameaça de uma regressão na Líbia. Milhares de pessoas não morreram para que hoje haja uma volta ao passado assim como no Irã, disse a presidente da FIDH, Souhayr Belhassen. O ministro das Relações Estrangeiras, Alain Juppé, também demonstrou preocupação da França com o assunto e disse que o País será vigilante no respeito dos valores democráticos.
Assim como a União Europeia jamais vai funcionar porque os seus integrantes se recusam a deixar sua cultura e manias políticas pra trás, o mundo árabe não vai abandonar o modelo de sociedade baseado no Corão. Exigir concessões pelo bem universal é fácil. O difícil é praticá-las.
Ingênuos foram aqueles, que como eu, comemoraram o fim da repressão no Egito, com a queda de Hosni Mubarak. A Primavera Árabe serviu apenas para a troca de comando. De fato, um regime como o de Ben Ali e Muammar Kadafi dificilmente voltará. Pequenos progressos de liberdade foram conquistados para impedir que isso aconteça. Mas no fundo, a eleição do partido conservador na Tunísia demonstra que os árabes e magrebinos não querem cortar suas raízes repressoras.
Texto de Roberta Namour
Fonte brasil 247