sexta-feira, 27 de maio de 2011
Contribuintes sonham com Papai Noel ?
Como um contribuinte que acabou de entregar ao Leão um dinheiro suficiente para comprar um carro zero km, queria lembrar que é preciso colocar racionalidade na discussão sobre redução de impostos para evitar o risco de que pessoas adultas, muitas com cabelos brancos e larga experiencia na vida, comecem a acreditar na volta de Papai Noel.
É possível argumentar com lucidez que o brasileiro paga impostos em demasia.
Com números e propostas na mão, pode-se até fazer um debate produtivo e chegar a bons caminhos. Também é necessário aproveitar melhor cada centavo que se entrega para o governo, evitando o desperdício, o desvio e a corrupção. Não é o que acontece até agora, porém.
Por enquanto, estamos num debate que me obriga a recordar o destino do mais recente Papai Noel do contribuinte americano, o halterofilista-ator-governador Arnold Shwarzenegger.
O ex-mister Universo cortou tantos impostos que deixou a California em estado de calamidade pública. Até presos foram mandados para casa para o Estado não tinha dinheiro para lhes dar comida. Se as cadeias ficaram assim, imagine os hospitais, as escolas…
Na prática, a falta de recursos simplesmente inviabilizou o funcionamento do governo de um Estado que possui um PIB maior que o de muitos países. Como demonstrou uma reportagem recente da Economist, sempre fiel a sua doutrina a favor de um Estado Mínimo, boa parte da responsabilidade pelo fiasco deve-se a atuação de cidadãos bem intencionados que forçaram a aprovação de leis de seu interesse mas que não levavam em conta as necessidades de toda a população. Cada um foi seu próprio Papai Noel. No final, não havia dinheiro para pagar tantos presentes.
Essa é a discussão necessária quando se fala em cortar impostos. Se você quer pagar menos para o Leão, deve pensar em números grandes, que representam bilhões de reais entregues para o governo. Por exemplo:
Vamos diminuir as verbas para a saúde, que já perdeu 20 bilhões com o fim da CPMF? Cortar o salário de professores? As aposentadorias — mais da metade custam meio salário mínimo — serão reduzidas? Vamos diminuir o salário dos policiais? Que tal cortar o Bolsa Família? Ou vamos suspender os investimentos em aeroportos? Alguém defende o fim das obras do metrô?
Este é o debate que nos lembra que Papai Noel não é boa companhia em discussões do mundo adulto.
Mesmo nos Estados Unidos, onde os republicanos do Estado mínimo deram uma surra nos democratas de Barack Obama há seis meses, começam a surgir sinais de novo animo junto ao eleitorado. Por que? Porque muitas pessoas querem pagar menos impostos. Mas já não concordam em ver reduzidas as verbas que pagam seus planos de saúde…Essa é a questão do mundo real: é fácil discutir redução de impostos no plano das generalidades. Mas é muito difícil propor soluções concretas sem criar impasses e divisões entre os contribuintes.
Ontem, alguns postos de gasolina resolveram vender combustível sem imposto como forma de protesto. É claro que a chegada de Papai Noel agrada motoristas de qualquer idade — mas a mágica do velhinho de barbas brancas não resiste a um passeio fora do mundo de fantasia.
Vamos imaginar, apenas por um momento, que todos os impostos fossem reduzidos de um só golpe em mais de 50%. Sem esses recursos, nem o protesto poderia ter sido realizado, pois não haveria asfalto em metade das ruas que conduzem aos postos de gasolina.
O preço da gasolina já estaria mais caro, com imposto ou não, porque a Petrobrás, construída com o dinheiro do contribuinte, não teria recursos para compensar altas internacionais com a produção interna e o manejo de seus estoques. É possível, até, que a Petrobrás nem existisse e aí estariamos comprando gasolina ao preço fixada pela Shell, pela Esso, pela Total, quem sabe por Hugo Chavez. Alguém acha que seria mais barato?
A volta de nossos motoristas para casa, que é sempre um sacrifício, seria um inferno. Quem pagaria o salário dos funcionários que orientam o trânsito? Quem iria regular os semáforos? Como assegurar o tráfico de ônibus em corredores exclusivos? Quem poderia contratá-los com um salário 50% mais baixo?
Ao longo do dia, cheguei a ouvir, em tom de denúncia, a informação de que quem faz parte do programa “Minha Casa, Minha Vida” é obrigado a entregar 20% de suas prestações ao Leão. Não sabia que se pagava 20%. Mas seria bom lembrar que, sem o Leão, nem haveria Minha Casa, Minha Vida, nem outros programas de subsídio a casa própria?
O Natal é uma festa universal e creio que a maioria dos brasileiros tem uma visão simpática do Bom Velhinho, independente de religião. Vamos debater os impostos, sim. Mas com mais racionalidade e dados objetivos. Concorda?
Fonte:http://colunas.epoca.globo.com/paulomoreiraleite/