O ditador Muammar Kadafi e seus parceiros comerciais internacionais têm conseguido contornar as sanções da ONU para canalizar dinheiro e petróleo para a Líbia, a fim de financiar e abastecer suas forças militares.
Se a aliança internacional contra Kadafi tem aprendido alguma lição com a campanha para assumir o controle sobre o regime – ou de fato derrubá-lo e substituí-lo – a mais evidente até agora deve ser que o líder líbio é muito mais resistente e empreendedor do que muitos pensavam.
Os ataques aéreos da Otan e a zona de exclusão aérea estabelecida com a anuência das Nações Unidas deveriam dizimar as forças de Kadafi e manter seus jatos de combate no solo. Mas mesmo que a força aérea líbia não represente mais ameaça para os rebeldes ou para civis no conturbado país norte-africano, os bombardeios, que já duram mais de um mês, aparentemente falharam em deter o exército de Kadafi.
Longe do campo de batalha, esforços diplomáticos empregados para pressionar o regime na Líbia também tiveram menos impacto do que os opositores de Kadafi esperavam.
Apesar da recente afirmação do ministro alemão do Exterior, Guido Westerwelle, de que as sanções contra o regime estariam funcionando e por isso deveriam ser mantidas, evidências apontam que, embora a Líbia esteja certamente sentindo seus efeitos, as restrições internacionais sobre o regime ainda estão longe de subjugar o ditador tão rapidamente quanto os líderes da Otan esperavam. "Para este fim, elas têm sido ineficazes", disse à Deutsche Welle Kristian Ulrichsen, especialista em Oriente Médio e Norte da África na universidade britânica London School of Economics (LSE).
"Enquanto a população civil de Misrata e outras cidades continuarem sendo alvo do regime, as sanções não terão cumprido seu objetivo principal, que é oferecer proteção humanitária para a população civil", acresceu.
Parece que a experiência de Kadafi em conviver com sanções durante a maior parte dos seus 42 anos no poder ensinou ao ditador líbio como contornar as tentativas da comunidade internacional de confiscar suas finanças e destruir os negócios que financiam seu regime.
Comércio de petróleo e gás abastece regime
Uma das táticas do ditador foi revelada recentemente em uma reportagem da agência Reuters, que afirma que o regime usa intermediários na Tunísia e uma companhia registrada em Hong Kong para importar gasolina para o oeste da Líbia através da transferência entre navios.
Essas transferências, que incluem mudanças duvidosas de nomes em documentos oficiais sobre origem e destino, seriam supostamente destinadas a driblar as sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que banem qualquer transação com a companhia estatal de petróleo da Líbia (NOC, na sigla em inglês).
Atualmente não é ilegal a Líbia importar ou exportar petróleo ou gasolina, mas é ilegal fazer negócios com a NOC. E ainda que não haja fortes evidências do envolvimento da NOC, os investigadores da ONU acreditam ser quase impossível que a NOC não esteja ligada de alguma forma à importação de gasolina para a Líbia.
Uma matéria posterior da Reuters revelou também que a Companhia Nacional de Transporte Marítimo da Líbia (GNMTC) importou gasolina da refinaria italiana Saras no início de abril, aproveitando uma lacuna nas sanções da ONU que permite aquisições por companhias que não estejam em uma lista de empresas banidas.
A GNMTC, que se acredita ser controlada pelo filho de Kadafi, Hannibal, não está em qualquer lista negra da ONU, embora Hannibal esteja. Negociar com a GNMTC é legal apenas se não houver evidências de que Hannibal obtenha benefício direto de qualquer transação.
Boicote às sanções
Outros países envolvidos em negociações com Kadafi têm ignorado de bom grado as sanções da ONU em benefício e lucro próprios.
Enquanto os Estados Unidos e a União Europeia bloquearam o acesso do ditador líbio a mais de 41 bilhões de euros em investimentos e contas em bancos estrangeiros, países como a Turquia e o Quênia recusaram-se a congelar os bens de Kadafi e permitiram que ele redirecionasse bilhões de euros para Trípoli desde o início da rebelião, em meados de fevereiro.
Outros países como Índia, China e Rússia, que resistiram aos esforços de expandir as sanções, prometeram apenas suspender pagamentos para suas próprias empresas que operam na Líbia – e não impor restrições aos negócios da Líbia.
"O fato de Kadafi poder contar com a entrada de capital proveniente de negócios e países que ignoram as sanções demonstra uma das principais falhas", diz Ulrichsen. "Até que isso seja corrigido e as sanções se tornem absolutas, Kadafi vai continuar a receber financiamento e apoio para prolongar a sobrevivência de seu regime."
Não se sabe exatamente quanto dinheiro o ditador líbio tem guardado, mas o Fundo Monetário Internacional (FMI) acredita que antes de Kadafi ter redirecionado seu fluxo de dinheiro de todas as partes do mundo para Trípoli, ele estaria sentado sobre uma fortuna estimada em 104 bilhões de dólares em dinheiro e ouro. Acredita-se que essa quantia aumentou significativamente durante os primeiros dias da rebelião.
Kadafi ganha tempo
A hesitação da comunidade internacional em agir mais rapidamente pode ter dado a Kadafi o tempo necessário para limpar suas contas bancárias antes que as bombas começassem a cair.
Kimberly Ann Elliott, especialista em sanções econômicas associada ao Instituto Peterson para Economia Internacional, nos Estados Unidos, disse que as sanções geralmente falham porque os ditadores têm tempo suficiente para transferir seus bens e evitar um choque financeiro.
"Normalmente, as ações com vista a esse tipo de sanção são anunciadas antes de sua imposição, então sempre há tempo para esses homens transferirem ou esconderem seus bens", disse Elliott à Deutsche Welle.
Já para Ulrichsen, ao apostar que o apoio internacional aos ataques aéreos enfraquecerá na medida em que continue o atual impasse, o regime de Kadafi tenta sobreviver aos bombardeios.
"Isso representa o principal perigo para a coalizão, no momento em que sérias questões já começam a ser levantadas sobre a eficácia da atual estratégia, o consenso deve começar a se desfazer em breve, se não houver qualquer sinal de uma solução bem-sucedida", conclui o especialista da LSE.
Fonte: Deutsche Welle