terça-feira, 22 de março de 2011
De volta à guerra
O ataque das potências às tropas de Kadafi modifica a situação da revolta nos países árabes. O objetivo, agora, é assegurar que as reservas de petróleo da Líbia permaneçam em mãos seguras. Antes, era Kadafi quem dava essa segurança aos governos da Italia, da Inglaterra, da França.
Com a revolta, e a possibilidade de que a principal riqueza do país caia em outras mãos, as potencias européias querem chegar a um entendimento com as forças capazes de formar um novo governo. Passaram a combater Kadafi depois de protegê-lo ao longo dos anos.
O argumento de que se pretende salvar vidas humanas e proteger a população civil é bom demais para ser verdade. A população da Líbia tem o direito de livrar-se de um ditador corrupto, sem compromissos com a democracia nem com o bem-estar da maioria. É uma luta heróica e justa.
Não custa lembrar, contudo, que considerações humanitárias ou democráticas não fazem parte dos argumentos reais das potencias que iniciaram os ataques.
Se fosse assim, estes mesmos governos teriam agido para impedir, por exemplo, os ataques da aviação israelense à população civil de Gaza no final de 2008, não é mesmo?
Em tempos recentes, também poderiam ter agido contra o rei amigo do Barheim ou contra o ditador do Iemen.
As causas dessa intervenção na Libia devem ser procuradas na situação interna dos países envolvidos.
Sob o risco de ser expulso da Casa Branca em 2012, Barack Obama vê na operação uma oportunidade raríssima para se recompor. Já perdeu apoio entre eleitores jovens e democratas que garantiram a vitoria em 2008 e agora tenta seduzir aquela fatia de conservadores que não se deixa convencer pelos argumentos extremistas de republicanos no estilo Tea Party e talvez possa ser arrebatada para apoiar um candidato centrista. Não sei se Obama será capaz de realizar tamanha ginástica — mas esta é sua estratégia.
A Inglaterra tem uma longa folha de serviços prestados à Kadafi e enxerga nessa ação uma oportunidade para formar novos aliados junto a um país com matéria prima tão preciosa e necessária. As relações entre Londres e Tripoli foram muito além do interesse comercial. Chegaram ao mundo acadêmico inglês, onde intelectuais prestigiados recebiam recompensas graudas para fazer a defesa da ditadura de Kadafi num serviço que hoje adquire a fisionomia de escândalo ético.
Nicolas Sarkozy, o presidente frances, anda tão por baixo que as pesquisas informam que teria menos votos do que uma candidatura fascista nas próximas eleições.
A raiz da guerra é esta: petróleo e votos.
Conhecido por sua indepedência de pensamento num universo onde não faltam autores à soldo, o professor Edward Luttwak, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington, adverte para as chances de se abrir um novo conflito — sem solução à vista. Num artigo publicado em 10 de março, com o sugestivo titulo “Intervencionite” ele se deu ao trabalho de reunir várias razões capazes de explicar por que uma ação militar na Líbia só poderia dar errado.
Uma das principais é a falta de apoio internacional. “Boa parte da opinião mundial não pode conceber que um governo seja suficientemente humanitário e generoso para derramar sangue e gastar dinheiro para ajudar cidadãos estrangeiros de forma desinteressada que, além disso, professam outra fé,” escreve Luttwak, sem esconder a ironia.
Lembrando a experiência do Iraque, ele recorda que a invasão daquele país teve a capacidade de unir aliados e adversários de Saddam Husein, pois colocava em questão um tema sempre delicado em qualquer ponto do planeta, que é a soberania nacional. O mais duro adversário dos soldados americanos, hoje, é um lider muçulmano cujo pai foi assassinado pelos homens de Saddam.
texto de PAULO MOREIRA LEITE
Fonte:Revista Época