sexta-feira, 18 de março de 2011

O efeito dominó terminou, mas ninguém devolverá à garrafa o gênio das revoltas árabes

A terceira ficha não cairá. Pelo menos por enquanto. Gaddafi tem a rebelde Benghazi ao alcance da mão. Sem uma súbita recuperação da frágil e desorganizada resistência, o ditador terá sob sua bota novamente toda a geografia Líbia em poucas horas.

O governo do Conselho Nacional, instalado na capital da velha província Cirenaica, não terá durado um mês. Quando cessarem os disparos, terá terminado a revolta que começou em 20 de fevereiro. A sangue e fogo. Exatamente o contrário do que aconteceu na Tunísia, onde os manifestantes terminaram com Ben Ali em três semanas, ou no Egito, onde Mubarak não precisou de 15 dias.

Gaddafi viu a jogada desde o primeiro momento. Ninguém apoiou Ben Ali e Mubarak com tanta convicção. Sabia que viriam atrás dele. Primeiro transformou a revolta em guerra civil. Depois se refugiou na capital, para recuperar forças e provavelmente reorganizar suas tropas mercenárias, suprimentos e finanças, utilizando com toda probabilidade algumas influências que ele e seus filhos mantêm intactas no estrangeiro, nos governos e nas finanças.

Finalmente organizou a recuperação do território abandonado, coincidindo com um refluxo abertamente contrarrevolucionário na onda iniciada na Tunísia em dezembro. Foi assim que conseguiu se manter, enquanto a Arábia Saudita atua no Bahrein como a União Soviética fez na Hungria em 1956 ou na Checoslováquia em 1968.

Os dirigentes ocidentais, incluindo Obama, observam as revoltas árabes com preocupação e passividade. Se alguém percebe o muito que está em jogo, dissimula muito bem. Nenhuma aparência de direção e nenhuma amostra de vontade política para se pôr à frente da mudança geopolítica. Os desacordos não afetam somente os meios a utilizar, como o objetivo.

À diferença de 1989, quando o desejo majoritário era de que caíssem um atrás do outro todos os regimes comunistas, agora está claro que só o querem os que sofrem as autocracias, enquanto os grandes interesses políticos e econômicos rezam pela manutenção do "status quo" e como um mal menor defendem algumas reformas que sirvam de freio e paliativo ao ímpeto revolucionário.

A rapidez dos acontecimentos obriga a refrescar a memória. Inclusive a mais curta. Nicolas Sarkozy, agora tão militante, não faz nem dois meses tentou dar uma mão ao ditador tunisiano, mandando-lhe material antidistúrbios. Agora vai na frente da procissão e clama por uma intervenção contra Gaddafi que sabe que não ocorrerá. Recebeu dois representantes do fantasmagórico governo de Benghazi no Eliseu, o qual reconheceu como interlocutor na véspera da cúpula de chefes de Estado e de Governo para tomar uma posição sobre a crise líbia. Adiantando-se de forma tão dissonante dos outros 26 sócios, apropriou-se assim de uma parte da causa líbia, mas da outra condenou a possibilidade de uma posição comum europeia no dia seguinte.

Tudo é especialmente grotesco na farsa em que os 27 transformaram a política externa da UE e de cada um dos países sócios, atentos apenas para o petróleo, a imigração e as pesquisas eleitorais.

Sarkozy não tomou a iniciativa contra Gaddafi para arrastar a Europa, mas para tentar frear sua queda em pique na previsão de voto: agora perderia no primeiro turno de eleições presidenciais nas quais Marine Le Pen seria a vencedora. O mesmo se pode dizer de Merkel, que enfrenta este ano um rosário de eleições regionais e está na hora de tomar decisões populares entre os alemães, seja exigindo uma austeridade extrema de seus parceiros europeus, fechando centrais nucleares ou descartando qualquer intervenção na Líbia.

O único que não tem problemas em continuar caindo nas pesquisas é Rodríguez Zapatero, que faz o que tem de fazer sem se importar com sua popularidade já arruinada.

Nisso estamos hoje. A iniciativa é da contrarrevolução, que conseguiu frear o efeito dominó. E do regime iraniano, que aproveita a revolta para modificá-la em um confronto convencional entre xiitas e sunitas, respectivamente antiocidentais e pró-ocidentais.

Mas é só um momento de uma onda de longo alcance. Gaddafi vai demorar mais ou menos para cair, mas seu regime não sairá desta: é um pestilento. Tunísia e Egito já estão em transição: os ditadores não voltarão. Ninguém devolverá o gênio à garrafa. Os povos árabes sabem qual é a próxima etapa da história. Isto apenas acaba de começar. Não se deve atirar a toalha.

Fonte : EL PAÍS Lluís Bassets Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves http://www.advivo.com.br